Para a relatora da Medida Provisória (MP) do Mais Médicos, Zenaide Maia (PSD-ZN), a maior diferença do programa lançado pelo governo Dilma (PT), que durou de 2013 a 2019, para a versão a ser recriada em 2023 é a inclusão do que a senadora classifica como uma espécie de “pós-graduação” dentro do projeto que dissemina a presença de médicos em áreas vulneráveis e isoladas do país, o que inclui populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas.
O relatório do Mais Médicos foi apreciado na Comissão Mista responsável pelo tema na quinta-feira (1º) e foi aprovado para ser avaliado pela Câmara dos Deputados, mas não sem antes passar por um pedido de vista coletivo. Um dos principais motivos foi exatamente essa flexibilização dentro do marco legal da prova do Revalida, que troca a prova prática para médicos brasileiros formados no exterior ou médicos estrangeiros por uma aprovação após quatro anos de atuação dentro do programa, que visa “formar” os profissionais enquanto participam do programa.
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“Não sou contra o Revalida, mas você não compara uma avaliação seriada em vários anos supervisionado e avaliado pelas universidades, pelos professores médicos, com uma avaliação de um único dia. O que eu propus é que a segunda parte do Revalida, a prova prática e não a teórica, seja ao longo de quatro anos com trabalho de campo supervisionado pela academia”, defende a senadora.
Dividida
O mérito fixa um ponto de dividida entre os parlamentares, que sempre esteve presente na disputa narrativa do Programa Mais Médicos: a presença de médicos do exterior, especialmente cubanos, trabalhando em território nacional. Uma ala prega que os médicos precisam ser examinados pelo Revalida para que os conhecimentos sejam verificados, bem como a proficiência no idioma nacional. Já a outra ala defende a vinda de médicos interessados em preencher vagas menos desejadas pela classe de doutores brasileiros nos rincões do país.
Um edital de inscrições com prioridade para médicos brasileiros foi aberto em 26 de maio pelo Ministério da Saúde com 5.970 vagas em 1.994 municípios em todo o Brasil. Ao todo, mais de 34 mil médicos se inscreveram até o dia 31 de maio para compor o projeto, sendo que mais de 30 mil eram brasileiros. Mesmo assim, médicos estrangeiros e formados em outros países ainda são bem-vindos, incluindo cubanos, segundo a senadora.
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De acordo com Zenaide Maia, de 259 emendas sugeridas por parlamentares, 89 foram acatas. Audiências foram feitas para ouvir Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e Conselho Federal de Medicina (CFM), alguns conselhos locais de medicina locais do Distrito Federal, Ministério da Saúde e Educação, prefeitos e sociedade civil.
“O programa passa a servir como pós-graduação no âmbito do Mais Médicos porque nós temos universidades públicas, 40, que se propõem a isso, mas também temos as privadas. Nós temos a diferença que não é só colocar médicos nos lugares distantes. É aproveitar para formar e pós-graduar médicos em medicina de família, comunitária, mas também em outras áreas”, disse Maia, que acrescentou que a maior resistência à ideia vem principalmente do Conselho Federal de Medicina, um crítico da qualidade do ensino dentro que pode ser prejudicado pelo excesso de faculdades.
Conforme o presidente do CFM, José Hiran Gallo, é equivocado dizer que o CFM é resistente. “Os pontos de divergência entre o CFM e o relatório residem na questão do Revalida, porque expõe a população a risco, e na questão do ensino médico, que compromete a qualidade da formação do médico brasileiro.”
O presidente da entidade respondeu algumas perguntas do Congresso em Foco sobre o que Conselho considera ser o principal entrave para a Medida:
Como a entidade vê o relatório da senadora Zenaide sobre o programa Mais Médicos? Isto é, quais são as principais críticas ao texto?
O CFM reconhece a importância do trabalho que foi feito pela senadora e pela Comissão Mista no Congresso Nacional criada para analisar a MP que reformula o programa. No entanto, acha que ainda é possível fazer novos ajustes. Por isso, continuará trabalhando nesse sentido, levando o tema para os debates nos plenários da Câmara e do Senado.
A principal crítica que fazemos ao texto é a dispensa da exigência do Revalida para quem se forma no exterior, a questão da abertura de novas escolas médicas, entre outros pontos.
O CFM enxerga a necessidade de restaurar o programa no país?
O CFM reconhece a importância da interiorização da medicina, de que o governo desenvolva estratégias para esse objetivo. Mas acha que é um risco permitir que pessoas que se formaram no exterior sem serem aprovadas em exame de revalidação possam atuar no atendimento da população brasileira.
Em entrevista ao Congresso em Foco, a senadora Zenaide afirmou que o CFM é um dos órgãos que apresentam maior resistência ao relatório. Quais seriam os motivos?
É equivocado dizer que o CFM é resistente. O Conselho luta pelos direitos dos médicos e dos pacientes e apresenta os seus argumentos com base em dados técnicos e na análise da distribuição dos médicos no País. Informações da demografia médica mostram que atualmente existem cerca de 560 mil médicos no Brasil. Mais de 30 mil deles se apresentaram no primeiro edital do Mais Médicos.
Ou seja, um número quase quatro vezes maior do que a quantidade de vagas disponível no primeiro edital. Os pontos de divergência entre o CFM e o relatório residem na questão do Revalida, porque expõe a população a risco, e na questão do ensino médico, que compromete a qualidade da formação do médico brasileiro.
Durante a audiência realizada na terça (30), o pedido de vista coletivo estava centrado no processo de revalidação de médicos estrangeiros ou de médicos brasileiros que se formaram no exterior para depois atuar no Brasil. Por quê?
Sim. É inadmissível permitir que brasileiros ou estrangeiros formados no exterior sem revalidação no Brasil possam estar habilitados para atender a população. O cidadão tem direito a profissionais bem formados e bem avaliados. Veja, basta se colocar no lugar do paciente: ninguém quer ser atendido por um médico sem certificação. E é isso que irá ocorrer no Mais Médicos.
O Programa em si foi extremamente pautado por questões de polarização ideológica nos últimos anos, o Conselho acredita que isso ainda interfere na repaginação do programa?
A polarização ideológica não tem sido colocada pelo CFM. O Conselho tem agido de forma técnica, levando argumentos e dados que mostram a existência consistente de médicos já formados no Brasil. A aprovação no Revalida para formados no exterior é um item de segurança para a população, previsto em lei, inclusive. A manutenção do processo de abertura desenfreada de escolas médicas sem o estabelecimento de critérios também representa um risco para a credibilidade e a confiança da população na própria medicina e para a qualidade de formação dos futuros profissionais. Isso não é nada ideológico. Isso é técnico.
O CFM tem dados ou pesquisas sobre a primeira versão do Programa Mais Médicos para demonstrar sua eficácia ou sua ineficiência?
Há um relatório robusto do Tribunal de Contas da União, que foi divulgado ainda durante a primeira versão do programa, que aponta uma série de inconsistências e de fragilidades no programa, tanto no processo de distribuição dos médicos quanto no processo de acompanhamento desses médicos, incluindo os intercambistas da época.
Numa análise da atual versão, sobre a distribuição dos médicos, percebe-se que o programa apenas segue o caminho da concentração de médicos nos mesmos lugares onde já há esses profissionais. E isso aconteceu em edições anteriores. Quer dizer, o Mais Médicos tem levado médicos para os lugares onde já há médicos. Enquanto isso, áreas distantes, menos desenvolvidas, continuam sendo privadas não só de profissionais, mas também da infraestrutura necessária para que a medicina possa ser praticada com eficiência e qualidade.
Quantos médicos estão atualmente filiados ou são membros do Conselho? Quantos se posicionam a favor ou contrários ao Programa Mais Médicos?
Atualmente, são 560 mil médicos no País. Convido todos a conhecerem os dados da demografia médica (https://demografia.cfm.org.br/dashboard/). A grande maioria dos médicos brasileiros quer que a medicina chegue aos locais mais distantes do País, seja com um programa que se chama X ou com um programa que se chama Y.
A única questão é que o envio dessa força de trabalho tem que ser amparada por critérios técnicos e éticos, com oferta de condições de trabalho e estímulos para que a população médica ali se instale – não permitindo que pessoas que se formaram em outros países possam participar sem o devido exame de revalidação de diploma.