Rei morto, rei posto. A última rodada do Painel do Poder, pesquisa trimestral que o Congresso em Foco Análise realiza com 70 dos principais líderes da Câmara e do Senado é riquíssimo para entender os movimentos no parlamento no sentido do abandono gradual do ex-presidente Jair Bolsonaro e da aproximação ao novo presidente Lula. O Painel do Poder colheu suas respostas junto aos deputados e senadores ainda no final do ano passado, mas ali já estava claro o movimento, que só se acentuou após a posse de Lula, e especialmente após a fracassada tentativa de golpe no dia 8 de janeiro.
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Nos vários cenários que foram pesquisados, e que publicamos aqui nos últimos dias, vemos como de outubro para cá foi se esfarelando de fato a possibilidade de rearticulação da direita brasileira em torno da liderança de Bolsonaro como se esboçava inicialmente. Em outubro, o eleitor brasileiro fez uma escolha curiosa. Elegeu um Congresso de direita e alinhado a Bolsonaro. Mas não entregou esse Congresso a Bolsonaro. Ao contrário, deu-o a Lula. Um presidente de esquerda à frente de uma ampla frente de partidos condenado pelo eleitor a negociar politicamente com um Congresso de direita, liderado pelo PL, partido de Bolsonaro, o adversário derrotado.
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A percepção inicial era de que Lula teria grandes dificuldades e teria de exercer uma enorme capacidade de negociação para lidar com um Congresso dominado pelo Centrão e essencialmente bolsonarista. O que parece ter acontecido desde então é que Lula continua tendo de lidar com um Congresso dominado pelo Centrão. A novidade é que talvez nem tanto bolsonarista assim.
A partir, então, de uma perspectiva ainda do final do ano passado, o Painel mostra que o Congresso avalia o governo Bolsonaro como abaixo da média. Aponta que os expoentes do bolsonarismo que foram eleitos não deverão ter, na avaliação dos parlamentares, grande expressão no Congresso. E que nunca pareceu tão madura como agora a chance de aprovação de uma reforma tributária, pauta principal econômica de Lula.
Ou seja, pelo menos em uma visão que nem é a mais recente, mas do final do ano passado, após a eleição de Lula mas antes ainda da sua posse, o Congresso conservador e de direita eleito na esteira de Bolsonaro parece pronto a se render a Lula. Claro, não sejamos ingênuos. Dentro das suas condições, e sempre, como é da sua característica, gerando dificuldade para vender facilidade.
Ocorre que da colheita das respostas na última rodada do Painel para agora, um bocado de água rolou debaixo da ponte. Para enfraquecer ainda mais a posição de Bolsonaro. O seu grupo político meteu-se numa fracassada tentativa de golpe. Que culminou com a destruição dos três principais prédios da República. Levando a uma inédita unidade política em torno de Lula, justamente o presidente que se queria derrubar. A cena do presidente descendo a rampa de braços dados com os chefes dos demais poderes e com todos os governadores atrás é o sinal mais veemente desse fortalecimento.
Bolsonaro optou nesse período por seu exílio na mansão com quarto de mínions do lutador de UFC na Flórida. Desapareceu calado. Imaginava que as dificuldades iriam enfraquecer Lula. E Lula só ficou mais forte por conta da própria violência golpista do grupo. O visto de permanência de Bolsonaro nos Estados Unidos termina na semana que vem. Mas hoje ninguém mais sabe o que ele irá de fato fazer da vida.
Para ajudar a atualizar o que mediu o Painel no final do ano passado, um bom registro pode ser o Barômetro, ferramenta que a consultoria InfoMoney produz para seus clientes ouvindo um grupo de cientistas e analistas políticos. Em outubro, os partidos mais conservadores, não alinhados com Lula (PL, União Brasil, PP, Republicanos, Podemos, PSC, Patriota, Novo e PTB) elegeram 267 deputados e 40 senadores. E na conta nem entram outras legendas que talvez não se alinhassem automaticamente na sua integralidade, como PSDB/Cidadania e MDB.
Na visão dos analistas ouvidos pelo Barômetro, Lula deverá encontrar na semana que vem já uma outra disposição. Para eles, a oposição ao presidente de fato na Câmara somará somente 143 deputados. Com outros 136 incertos. Na avaliação deles, já haveria 234 deputados alinhados com o governo. E no Senado, seriam 24 de oposição e outros 20 incertos. Os alinhados com o governo seriam 37.
Ou seja, de outubro para cá, o apoio bolsonarista derreteu. E a simpatia política a Lula fermentou. Lula trafega, então, em céu de brigadeiro? Nenhum presidente que herdasse um país estagnado, sem orçamento, com tragédias como a que se abate sobre a nação Yanomami e que assistisse ao crescimento de um militância de extrema-direita como a que por aqui surgiu voaria sem turbulências. Evidentemente, essa situação favorável inicial dependerá da real condução das coisas. Mas que Lula inicia sua relação com o Congresso com uma perspectiva muito mais favorável do que o resultado inicial das urnas de outubro parecia prever, isso é inegável.