O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), usou uma pequena empresa de eventos de sua propriedade para comprar uma fazenda no valor de R$ 1.901.554,82 (cerca de R$ 7 milhões em valor corrigido pelo IGP-M na Calculadora do Cidadão, do Banco Central) em 2004, quando era deputado estadual. Os recibos da compra, no entanto, foram emitidos em nome do próprio parlamentar, conforme documentos obtidos pelo Congresso em Foco.
Registrada como empresa de pequeno porte dedicada à produção de artes cênicas, espetáculos e outras atividades não especificadas, a AF Cultura and Art Ltda foi aberta em 12 de agosto de 2003 no município de Pilar, em Alagoas. No ano seguinte, a empresa comprou a fazenda Pantaneiro, de 1.028 hectares, localizada em Panelas (PE), a 180 km de Recife. A AF Cultura tem como nome fantasia AF Promoções Artísticas e Eventos Ltda e como endereço o Sítio Nicodemus, Parque Arthur Filho – propriedade que Lira demorou mais de uma década para incluir entre os seus bens declarados à Justiça eleitoral.
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A empresa só foi declarada por Lira à Justiça eleitoral a partir de 2010. Sócio majoritário, ele informou possuir uma cota de R$ 10.000,00 do negócio. A Pantaneiro, no entanto, não consta das declarações de bens entregues por ele às autoridades eleitorais.
Questionado sobre o motivo de uma empresa de pequeno porte, destinada à realização de eventos, ter comprado uma fazenda por tal valor, a assessoria de Lira enviou nota na qual afirma que “todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária”. Veja, no final do texto, a íntegra da nota e a resposta do Congresso em Foco.
PublicidadeA resposta é a mesma utilizada para outras duas reportagens publicadas pelo Congresso em Foco sobre o patrimônio do presidente da Câmara: na primeira, revelamos que ele não declarou à Justiça eleitoral, em 2006, quatro fazendas compradas por quase R$ 5 milhões (valor da época) entre 2004 e aquele ano; na segunda, que o deputado deixou de informar ao Tribunal Regional Eleitoral, por mais de dez anos, que era proprietário de um parque de vaquejada.
A triangulação entre Lira, a empresa e a fazenda foi admitida pelo então advogado do deputado em um processo sigiloso na Justiça ao qual o Congresso em Foco teve acesso. Em manifestação em um processo na Justiça contra o presidente da Câmara, a defesa de Lira afirmou que os recibos que comprovam a compra da propriedade foram emitidos em seu nome porque “os pagamentos eram efetuados em espécie”.
“Se o recibo era em nome da empresa ou de um dos sócios, esse era um detalhe sem qualquer importância jurídica”, escreveu à época o advogado de Lira, Fábio Ferrario, hoje desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Procurado pela reportagem, Fábio disse que está impedido legalmente, pelo cargo que ocupa, de comentar sobre processo judicial envolvendo ex-clientes.
A fazenda Pantaneiro foi quitada em cinco parcelas, segundo documento anexado em um processo em que Lira é réu ao qual o Congresso em Foco teve acesso. O primeiro pagamento foi registrado em 19 de julho de 2004, no valor de R$ 679.000,00. O último, no valor de R$ 253.338,08, em 30 de julho de 2005, conforme recibo de pagamento.
Advogados ouvidos pelo Congresso em Foco afirmam que causa estranheza uma empresa de pequeno porte ter dinheiro “em espécie” nessa proporção para efetuar os pagamentos.
“Ao que indica, parece ser um problema tributário, em que ele precisa explicar para a Receita Federal de onde veio esse dinheiro”, afirma a advogada eleitoral Vânia Aieta, que é professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Para o professor de Direito Antonio Rodrigo Machado, a triangulação entre Lira, a empresa e a fazenda pode ter sido feita para encobrir o patrimônio do deputado. Caberia à Justiça, no entanto, avaliar isso, ressalta. “Pode ser visto como maquiagem para a questão do direito de família e a separação da mulher, mas até isso precisaria ser avaliado pela Justiça”, afirmou.
O Congresso em Foco está impedido desde julho de veicular uma entrevista feita com a ex-esposa do deputado. Jullyene Lins, que foi casada com Lira entre 1996 e 2006, acusou o ex-marido de violência física e sexual. O texto foi retirado do ar por determinação do juiz Jayder Ramos de Araújo, da 10ª Vara Cível de Brasília, a pedido do presidente da Câmara. Lira tentou excluir conteúdo semelhante de outros veículos, mas teve o pedido negado. O parlamentar e Jullyene travam, desde a separação, uma guerra na Justiça.
Pela legislação eleitoral, todo candidato é obrigado a declarar seus bens ao registrar sua candidatura. O objetivo da exigência é tornar o processo mais transparente e garantir ao eleitor o direito de fiscalizar a evolução patrimonial de seus representantes políticos. A transparência também explicita eventuais conflitos de interesse entre os negócios privados de um político e sua atuação parlamentar.
Segundo um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvido pela reportagem em condição de anonimato, Lira não está sujeito a sanções eleitorais por não ter declarado propriedades, mas pode enfrentar problemas fiscais caso não tenha declarado todos os bens à Receita Federal. “Essa situação toda mostra que uma das maiores autoridades do Brasil é detentora de um patrimônio que não sabemos o tamanho e nem de onde ele tirou dinheiro para tudo isso”, afirmou o ex-ministro.
Como mostrou o Congresso em Foco, entre 2004 e 2006, quando era deputado estadual, Arthur Lira pagou quase R$ 5 milhões (cerca de R$ 16 milhões em valor atual, conforme correção do IGP-M feita pela Calculadora do Cidadão, do Banco Central) pela Pantaneiro e outras três fazendas localizadas em Pernambuco. Essas propriedades não constam da declaração de bens entregue por ele à Justiça eleitoral em 2006. Os bens declarados por ele, na ocasião, somavam R$ 695.901,55. Apenas uma das propriedades foi declarada posteriormente, em 2014.
Abaixo, a nota que Arthur Lira enviou por meio de sua assessoria e a resposta do Congresso em Foco:
ÍNTEGRA DA NOTA DE ARTHUR LIRA:
“Todo o patrimônio do deputado Arthur Lira encontra-se devidamente declarado à Receita Federal e à Justiça eleitoral, fruto do sucesso na gestão de sua atividade agropecuária.
No mais, alguns questionamentos se mostram improcedentes, requentados, vazados de ações em segredo de justiça, e já foram analisados pela Justiça competente, que deu ganho de causa ao deputado, inclusive determinando não mais sua veiculação em qualquer meio, por se tratar de assunto analisado e comprovadamente inverídico.
Além disso, a exposição de tais fatos só atentam contra a honra do deputado e ferem a decisão já proferida no Judiciário.
Assim, esperamos que mais essa decisão da Justiça seja cumprida.
Assessoria de Imprensa”
Nota da Redação – Esclarecemos que:
(1) A documentação obtida pela reportagem demonstra que Lira declarou à Justiça eleitoral apenas uma das quatro fazendas citadas. Mesmo assim, em 2014. Ou seja, cerca de uma década após sua aquisição.
(2) Até 2022, data em que entregou pela última vez uma declaração de bens à Justiça eleitoral, o deputado não tinha informado a propriedade das outras três fazendas.
(3) Teremos prazer em publicar os devidos documentos comprobatórios caso o parlamentar tenha regularizado tal situação posteriormente.
(4) Não há na matéria, ou nas práticas profissionais deste veículo, qualquer intenção de atentar contra a honra do presidente da Câmara ou de quem quer que seja. Tentamos apenas fazer jornalismo independente e de qualidade.
(5) Ignoramos qualquer ordem de censura prévia relacionada com os temas tratados na reportagem. O que nos chegou ao conhecimento foi uma ordem judicial de remoção de conteúdo, cumprida tão logo dela tomamos conhecimento.
(6) O Congresso em Foco renova, de público, o pedido de entrevista com Arthur Lira para aprofundar a apuração do assunto e prestar informações absolutamente corretas e precisas, como nos empenhamos a fazer há quase 20 anos.
Edição: Edson Sardinha e Carlos Lins
Artes: Thiago Freitas