As leis eleitorais mudam e se transformam com uma grande frequência no sistema político brasileiro. Isso se deve, em partes, ao fato de que elas precisam se adaptar a cada contexto eleitoral, que muda com o passar dos anos, e à ideia de que cada eleição é uma forma de “testar” essas leis, que podem ser aprimoradas no próximo pleito. Porém, existe uma outra parte da história das mudanças das leis eleitorais que tem a ver com o que os atores políticos (os partidos e os próprios legisladores) consideram ser vantajoso para si próprios. Ou seja, quais leis os ajudam a eleger mais representantes, a receber mais financiamento, a ter mais autonomia, etc. Há, assim, o que podemos chamar de um “legislar em benefício próprio”, favorecendo aqueles que já estão eleitos e que possuem poder de decisão sobre essas leis.
Atualmente, o Congresso brasileiro é composto majoritariamente por homens e por pessoas brancas. Isto significa que, inevitavelmente, são esses grupos que possuem maior poder sobre as mudanças das regras da competição eleitoral. Assim, não deve causar surpresa o fato de que as leis eleitorais de ações afirmativas para negros e mulheres – os grupos minoritários entre os eleitos – sejam as mais afetadas. Fazendo um breve panorama histórico, a primeira lei nesse sentido, conhecida como a Lei de Cotas, foi implementada em 1997. Posteriormente, vieram as leis do mínimo de 5% do Fundo Partidário para promoção da participação de mulheres, e mais tarde as leis de financiamento para candidaturas de mulheres e negros. Desde então, o que vimos foi uma sequência de descumprimento dessas leis, seguidas por anistias aprovadas pelos próprios deputados e senadores em benefício de seus partidos.
Este ano, embora as prestações de conta ainda não tenham sido finalizadas, já podemos constatar que as leis de distribuição proporcional de recursos para mulheres e negros não foram cumpridas. Isto porque o prazo máximo estipulado para cumprimento dessa destinação era 30 de agosto de 2024. Uma vez que, segundo o TSE, “a destinação dos recursos deve ser declarada em relatórios parciais, com todos os dados requisitados pela legislação eleitoral, entre 9 e 13 de setembro”, o que não foi declarado até agora, não respeitou o prazo dos repasses.
No dia 9 de outubro, três dias após o pleito, os dados sobre financiamento informados pela Plataforma 72h, mostram que apenas 27,5% dos recursos do FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e do FP (Fundo Partidário) foram destinados para candidaturas de mulheres. A Lei estipula a distribuição proporcional ao número de candidatas (que foi de 34%), e o mínimo de 30%. Nada disso foi cumprido. E o que isso significa em termos quantitativos? Significa que as mulheres receberam 6,5% a menos do que deveriam ter recebido dentro do prazo estipulado. Trata-se de cerca de 307 milhões de reais de recursos públicos que não chegaram às candidaturas de mulheres no prazo estipulado por lei – e talvez sequer tenham chegado. No entanto, o que a história política nos mostra é que esses partidos não serão punidos por isso. Ao invés disso, o mais provável é que sejam, mais uma vez, agraciados por uma anistia por seu descumprimento.
Vale lembrar também que a última anistia, que se transformou na Emenda 133 contrariou o previamente estipulado pela Justiça Eleitoral sobre o financiamento proporcional para candidaturas negras, fixando um valor de 30% para essas candidaturas. Assim, embora as candidaturas de pretos e partos tenham somado 52,7% das candidaturas, até o dia 9 de outubro, também segundo dados da Plataforma 72h, elas haviam recebido apenas 39% dos recursos do FP e do FEFC.
Em resumo, as leis eleitorais existem para serem cumpridas, mas o são apenas quando é do interesse dos partidos e daqueles que já estão no poder e se beneficiam de um status quo injusto e desigual.
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