Fabiano Machado Rosa e Lúcio Almeida *
O Plenário da Câmara dos Deputados encerrou a aprovação do Projeto de Lei n° 4566/2021 que considera crime a injúria racial cometida em locais públicos. O principal objetivo do projeto é a responsabilização com maior rigor de situações nas quais ofensas racistas são proferidas em estádios de futebol, ruas, bares e demais espaços com circulação de público, especialmente quando a ofensa racista atinge pessoas em razão de sua raça, cor, etnia, religião, origem nacional e sexualidade.
Pelo projeto, tais situações de ofensa racial poderão acarretar pena de dois a cinco anos de reclusão e multa e também pena de suspensão de direitos. Outro ponto importante do projeto é a previsão do racismo religioso e do racismo praticado por agentes públicos. Num passado escravocrata e colonial, tais medidas, como afirma Grada Kilomba em sua magnífica obra Memórias da Plantação, são necessárias para combater os discursos coloniais racistas ainda presentes em nosso cotidiano.
Com efeito, na atualidade, temos a injúria qualificada, muitas vezes denominada de injúria racial, a qual, conforme o art. 140, § 3º, do Código Penal, prescreve que a responsabilização penal recai apenas quando a ofensa se faz na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Assim, infelizmente, muitas vezes, a subsunção normativa não acontece da maneira que se esperaria. Logo, é muito comum, nos casos que envolvem ofensas racistas, que estas condutas de racismo (fato concreto) não se enquadrem à norma jurídica prevista no ordenamento (norma-tipo).
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Pelo projeto aprovado na Câmara, a prática de injúria racial passará a ser crime de racismo. Nesse contexto, a injúria racial será um crime inafiançável e imprescritível, como previsto no art. 5º, inciso XLII, da nossa Constituição Federal de 1988.
Uma crítica trazida pelo partido Novo é que o projeto propõe a criminalização da liberdade de expressão. Entretanto, não deve prosperar tal argumento tendo em conta que nosso ordenamento jurídico não autoriza a liberdade de expressão para incitar o discurso de ódio de cunho racial, nazista ou fascista. Nesse sentido, vale a leitura da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto São José da Costa Rica -, de 1969 que, no art. 13, n° 2, alínea “a”, impõe que o exercício da liberdade de pensamento e de expressão será objeto de responsabilização quando violar os direitos das demais pessoas.
Adilson Moreira, em seu livro Racismo Recreativo, ao tematizar o direito fundamental à liberdade de expressão, aponta que “o discurso de ódio cria obstáculos para a preservação da harmonia social e impede que membros de grupos minoritários possam desenvolver o sentimento de pertencimento, de que as instituições sociais funcionam para proteger seus direitos.”
Como afirma Silvio Almeida, em sua clássica obra Racismo Estrutural, “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo normal com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional.”
Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 4566/2021 é um passo importante no combate a essa normalização espúria em nossa sociedade.
* Fabiano Machado Rosa é sócio fundador da PMR Advocacia. Lúcio Almeida é professor de Direito da UFRGS.
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