Manuella Löwenthal *
Luiz Inácio Lula da Silva retorna à Presidência da República com grandes desafios pela frente. A vitória sobre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) aconteceu com resultados apertados e uma pequena diferença de pouco mais de 2 milhões de votos (50,9% a 40,1% dos votos válidos).
Em seu discurso após a vitória, Lula afirmou que “Não existem dois Brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação”, porém, o Brasil que o petista encontrará é bem diferente do que governou em seu último mandato.
Nos último 20 anos, o segmento evangélico cresceu de forma vertiginosa no Brasil e na América Latina. Se em 2010 a porcentagem de evangélicos era de 20% segundo o IBGE, hoje este número alcança quase 30%. Juntamente com o crescimento da população evangélica, cresceu também o eleitorado evangélico, e a visibilidade e atuação públicas dos evangélicos. Isso ocasionou e ainda ocasiona consequências intensas no metabolismo social do país como um todo.
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Temáticas referentes ao aborto, aos novos modelos de família e a homossexualidade ganharam grande centralidade já nas eleições 2014, isso ficou evidente principalmente a partir da reação claramente combativa de lideranças evangélicas que passaram a exigir que fosse retirada toda e qualquer proposta voltada a descriminalizar o aborto e a expandir os direitos reprodutivos dos planos de governo de todos os candidatos.
Neste processo, muitas foram as ações reativas referentes a estes temas. Em 2011, houve a pressão por parte dos parlamentares evangélicos para que o Projeto Escola Sem Homofobia (conhecido como Kit Gay) fosse indeferido. Diante de enorme articulação, o Presidente determinou a suspensão deste material, que tinha como intuito a conscientização sobre a diversidade sexual e combater o preconceito de caráter homofóbico. Este caso torna evidente a força com que este bloco se mobiliza para impedir o avanço de debates e propostas que são contrárias à moralidade cristã. Durante todo o governo de Dilma Rousseff (PT), é possível observar um enorme interesse dos parlamentares evangélicos pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.
No período em que o deputado federal e pastor da Assembleia, Marco Feliciano (PL-SP) foi eleito pelo bloco evangélico como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM) da Câmara, em 2013, a CDHM recebeu 146 propostas de parlamentares evangélicos (88%), dentre elas destacou-se o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011 que propunha suspender os artigos que proibiam o tratamento de cura da homossexualidade por profissionais da área da Psicologia. Quando o Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), membro da Assembleia de Deus e filiado à Frente Parlamentar Evangélica foi eleito à presidência da Câmara dos Deputados, muitos arquivos de Projetos de Leis sobre a proibição do aborto e a valorização da heterossexualidade foram desarquivados.
Em meio a essa disputa “em defesa da família” e dos “valores cristãos” na esfera política brasileira acontece, em 2018, a eleição de Jair Messias Bolsonaro, que se alinha aos valores e pautas da Frente Parlamentar Evangélica. Desde o início de seu mandato, Bolsonaro deixou evidente que iria desempenhar no campo do Federal Executivo todas as demandas e ações articuladas até então no campo do Legislativo pela Frente Parlamentar Evangélica, e seu mandato cumpriu exatamente o prometido, dando força e voz para um conservadorismo cada vez mais consolidado no país.
Diante deste cenário, ficam algumas questões: o fim do governo Bolsonaro implicará o fim desses posicionamentos motivados pelo ultra-conservadorismo? Lula irá conseguir dialogar com a chamada bancada evangélica?
Segundo a pesquisadora Ana Carolina Evangelista, cientista política e diretora executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser), a vitória de Lula (PT), não enfraquece a força da extrema-direita no cenário político brasileiro, pois o conservadorismo de cunho religioso é um dos principais pilares desta nova política. Em entrevista para a Agência Pública, Ana Carolina afirma que este cenário atual não se configura mais como uma disputa comum entre direita e esquerda, mas sim como uma disputa entre a esquerda e a extrema-direita autoritária, e esta extrema direita possui capilaridades não só no Brasil, mas também no mundo. Ainda segundo a pesquisadora, é importante considerar o grande número de parlamentares de extrema-direita eleitos, assim como diversas redes extremamente articuladas, panorama na qual representa enorme desafio para o governo Lula.
Diante deste contexto, é possível que o apoio popular seja a menor das dificuldades deste governo, pois a tendência é que muitos eleitores que não apoiavam Lula, ao se depararem com melhorias na qualidade de vida, sintam-se seguros. Afinal, é importante considerar que grande parte dos eleitores que votaram em Bolsonaro foi motivada por um forte sentimento antipetista que pode ser contornado pela capacidade de negociação de Lula. Segundo a socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o presidente eleito tem mais habilidade na articulação se comparado a Dilma Rousseff.
Dessa forma, tudo vai depender de como o presidente eleito vai compor alianças estratégicas para gerir seu governo. E se tratando da população evangélica, Lula terá que se aproximar e se alinhar as diversas manifestações evangélicas da população, compreendendo as demandas, as necessidades, os anseios, medos, crenças e motivações dessa população para estabelecer um laço real e sólido.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Manuella Löwenthal é doutoranda em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora do projeto Temático “Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, financiado pela Fapesp. Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.
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