A base aliada no Congresso já avisou à equipe econômica que o governo terá de fazer concessões para aprovar a MP 1160/2023, que retoma o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O texto é objeto de 138 emendas dos parlamentares. Criado em 2009, o Carf é um colegiado formado por representantes da sociedade e do Estado, com a atribuição de julgar em segunda instância administrativa os litígios em matéria tributária e aduaneira.
Pela proposta do governo, os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que presidem as turmas e câmaras no Carf, poderão desempatar as votações a favor da União em litígios tributários. Desde 2020, conforme proposta do ex-presidente Jair Bolsonaro, quando há empate, a vitória é dada ao contribuinte.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a chamada MP do Carf em janeiro como uma das medidas de ajuste fiscal. Segundo ele, o atual modelo é uma “vergonha” e implica perdas bilionárias aos cofres públicos todos os anos.
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O assunto foi tratado nessa terça-feira (7) em reunião entre Haddad e líderes partidários do Senado. Na Câmara o tema foi debatido entre a Frente Parlamentar do Empreendedorismo e o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Tanto Haddad quanto Alckmin declararam estar abertos ao diálogo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu ontem que o Congresso aprove um “meio-termo” entre o que quer o governo e o que reivindicam os setores empresariais.
Após deixar a reunião com Haddad e senadores, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), admitiu a possibilidade de a equipe econômica aceitar uma proposta feita pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a MP, mesma posição adotada pelo PP, de Lira, e pelo Republicanos.
A OAB, no entanto, propõe que, quando um contribuinte perder uma causa pelo voto de qualidade, a multa e os juros poderão ser cancelados desde que ele pague o valor do tributo cobrado em até 90 dias. Caso o valor não seja pago, a multa voltará a ser cobrada e o contribuinte poderá recorrer à Justiça.
Publicidade“A OAB já dialogou com o governo, com o ministro Fernando Haddad, há um diálogo de que o limite é a proposta apresentada pela OAB, mas que extinga o procedimento como está hoje. O Carf é o único na OCDE que favorece na prática a 120 empresas. São 120 empresas com esse sistema que instituiu o prejuízo do erário publico”, disse o líder do governo. ““[A proposta da OAB] é uma mediação possível para o relatório final“, acrescentou.
Para o presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), o governo deveria ter dialogado com o Congresso ainda no processo de elaboração da MP. Segundo ele, a mudança na regra do voto de qualidade no Carf, em 2020, representou uma “justiça jurídica com os empreendedores brasileiros” e, por isso, não deveria ser revista agora. “Não pode haver um sistema paritário em que o auditor vota duas vezes. A MP destrói o sistema paritário”, declarou o deputado ao Congresso em Foco após a reunião com Alckmin.
De acordo com Bertaiolli, Alckmin concordou que é preciso aprofundar a discussão sobre a medida provisória. “Queremos uma conversa que não houve com o governo para buscarmos um meio-termo. Esse é um sentimento muito amplo na Câmara hoje. Arrisco a dizer que, da forma como está, não passa. Alckmin defendeu uma construção para que a MP seja aprovada”, afirmou.
A volta do voto de qualidade não é o único nó a ser desatado entre governo e Congresso na MP do Carf. O texto prevê que poderão ser objeto do Carf apenas questões que envolvam quantias superiores a mil salários mínimos (R$ 1.302.000, de acordo com o piso salarial vigente). Antes da mudança, o limite era de 60 salários mínimos (R$ 78.120). Com a medida provisória, dívidas inferiores a mil salários mínimos deverão ser resolvidas pela Delegacia da Receita Federal do Brasil, formada apenas por representantes da União.
“A mudança exclui, na prática, a possibilidade de recurso em segundo grau das micro, pequenas e médias empresas. Não havia limite para recurso ao Carf. Nós incluímos há dois anos o piso de 60 salários mínimos. A Justiça comum não está preparada para julgar esses casos todos, vão entupir a Justiça de processos”, reclama Bertaiolli.
A Frente Parlamentar do Empreendedorismo apresentou emenda para reverter a retomada do voto de qualidade e manter o piso de 60 salários mínimos. Além disso, o grupo formado por mais de 250 deputados e senadores quer mudar a forma de composição do colegiado. A proposta, também apresentada na forma de emenda, obriga que as indicações para conselheiros sejam submetidas ao Congresso Nacional.
Segundo a emenda, essas indicações deixariam de ser prerrogativa do Ministério da Fazenda e passariam a ser submetidas à Comissão de Finanças e Tributação (CFT), na Câmara, e na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), no Senado, a partir do encaminhamento de listas tríplices.
Assim, o presidente da CFT escolherá um dos nomes das listas tríplices que deverá ser sabatinado em sessão única do colegiado, em caráter terminativo. Se aprovado, o indicado seguirá para sabatina e apreciação da CAE, onde será conduzido o mesmo rito.
O Carf é composto por 130 conselheiros, metade é formada de auditores fiscais, que representam a Fazenda Nacional; o restante procede de confederações e entidades de classe, representando os contribuintes.