Muito se tem discutido sobre as dificuldades do governo em aprovar medidas que compõem sua agenda no Congresso Nacional. Não há maioria parlamentar sólida identificada com as diretrizes do governo Lula. O problema não é de agora.
O governo FHC tinha sua sustentação a partir de três grandes partidos à época – PSDB, PFL e MDB. Lula, em seus dois primeiros mandatos, já operou com pulverização maior, o que derivou em graves problemas. A dispersão se aguçou nos governos Dilma, resultando nos impasses conhecidos e no impeachment. Michel Temer, com sua experiência parlamentar, conseguiu costurar uma maioria razoável e aprovar importantes reformas e avanços. Bolsonaro fechou acordo com o Centrão, após resistência inicial. Agora, vivemos um paradoxo: um governo de esquerda eleito e um parlamento com predominância conservadora e liberal, mais à direita.
Muitos esperavam que o presidente Lula, fazendo a leitura dos resultados eleitorais, apostasse num governo de frente ampla, agregando novos aliados e construindo uma correlação de forças mais favorável. Mas Lula tem se posicionado mais à esquerda nas agendas fundamentais do equilíbrio fiscal, da política monetária, do papel do Estado e das privatizações, das relações internacionais e das políticas públicas.
Leia também
Nunca é demais comparar com a experiência das democracias avançadas. Em nenhum país de democracia sólida ocorre situação semelhante. Na Alemanha, a coalisão semáforo reúne socialdemocratas, verdes e liberais em torno de um programa de governo. No Reino Unido, o sistema decisório tem sua órbita em torno de um sistema bipartidário a partir da polaridade entre conservadores e trabalhistas. Assim também é nos EUA com a luta política e parlamentar entre democratas e republicanos.
Na Península Ibérica, o PSOE, na Espanha, e o PS, em Portugal, têm maioria clara para governar. Na Itália, há um movimento pendular entre o bloco liderado pelo PD e a direita da atual primeira-ministra Giorgia Meloni. Na França, Macron vai se virando com a perda da maioria absoluta, mas sem o nosso grau de pulverização. E por aí vai.
O Brasil tem, há décadas, dificuldades de processar reformas e soluções necessárias para consolidar um modelo de desenvolvimento sustentável, inclusivo e dinâmico. Resultado: crescimento medíocre, deterioração das desigualdades e perda de relevância.
O ideal é que tivéssemos um sistema semipresidencialista como França e Portugal, ou parlamentarista como Alemanha, Itália, Espanha e Reino Unido. Ou um presidencialismo como o americano, mais eficaz e menos disfuncional. Isto deveria vir acompanhado da mudança do sistema eleitoral com a adoção do voto distrital puro ou misto ou da lista partidária.
PublicidadeHoje temos um semiparlamentarismo cambeta, onde o poder conquistado pelo Congresso não vai acompanhado das responsabilidades correspondentes e do controle social necessário. E a mudança está cada vez mais distante. Quanto mais avança a pulverização parlamentar, mais difícil corrigir o rumo.
Temos, no Brasil, uma agenda de decisões essenciais a tomar. O centro do problema está no sistema político, partidário e eleitoral que não gera maioria e minoria claras e nos leva ao imobilismo. Ou nos convencemos disso ou o Brasil continuará patinando de crise em crise, perdendo oportunidades preciosas.