Próximo de Lula, de quem foi chefe de gabinete durante os seus dois primeiros mandatos presidenciais (2003 a 2010), o atual secretário nacional de Economia Popular e Solidária, Gilberto Carvalho, está preocupado com os rumos do governo, da esquerda e da Igreja Católica, da qual é membro. No seu entender, tanto a igreja a que pertence quanto as forças de esquerda se distanciaram da população mais carente, deixando o caminho aberto para os evangélicos e para uma direita com “uma militância ferrenha que se expressa de maneira absurda nas redes sociais e que faz a cabeça dos pobres”.
Em debate promovido em Brasília pela Comissão Justiça e Paz, da Igreja Católica, na noite da última segunda-feira (5), ele procurou mostrar que a governabilidade não pode se apoiar apenas na composição com a maioria conservadora do Congresso Nacional. Fazer concessões, argumentou, é insuficiente porque “eles não nos aceitam”. “No primeiro momento que eles puderem, eles vão nos derrubar, porque a nossa lógica vai contra a lógica deles”, acrescentou. E concluiu: “Só tem um jeito de dar governabilidade — investir na conscientização e na participação popular”.
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Veja o vídeo, com legenda:
Um dos fundadores do PT, Gilberto Carvalho, 72 anos, é formado em Filosofia, estudou Teologia e chegou a ser seminarista. Mesmo sem nunca ter exercido mandato político, sempre foi um formulador muito ouvido dentro do seu partido e é um dos principais interlocutores petistas com a Igreja Católica.
Ministro da Secretaria-Geral da Presidência durante o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (2011 a 2014), também dirigiu a Escola Nacional de Formação do PT. No ano passado, foi um dos articuladores da carta divulgada pelo então candidato Lula à comunidade evangélica, comprometendo-se a não apoiar o aborto e a respeitar a liberdade religiosa.
Hoje à frente de uma secretaria vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, Gilberto Carvalho enfatizou, no encontro de segunda-feira: “A esquerda tem de mudar o seu jeito de fazer. A igreja tem de mudar o jeito de lidar, nós temos que conviver com os pobres. Nós temos que estar perto”. Fazer um bom governo, no seu entender, jamais será o bastante.
“Não adianta nada” — continuou — “fazer tudo isso e depois vem um golpe e derruba tudo. E o povo volta a viver uma experiência pior do que a que vivia. Então, amar o pobre, não desviar do pobre, também é investir, insistir na educação popular, na conscientização. Fazer de cada ato, de cada conquista dessa, um momento de educação, de autoconsciência.”
Ainda em sua exposição, Gilberto Carvalho contou que expressou suas percepções a Lula em uma conversa que tiveram recentemente. Relatou que disse ao presidente não ter dúvida de que o atual governo vai dar certo, que a economia vai crescer e que a fome será reduzida, ainda que em escala menor que a registrada nas duas gestões passadas do petista, em razão das circunstâncias internacionais menos favoráveis. Mas fez um alerta:
“O que eu falei para ele foi o seguinte: esse dar certo já deu uma vez, mas deu errado, porque durou pouco. Isso é uma irresponsabilidade nossa com os pobres. Nós temos que construir projetos duráveis, projetos sustentáveis, e não tem outra sustentação que o poder popular.”
Crítico do papa João Paulo II, a quem responsabiliza pelo afastamento dos católicos da população mais pobre, e admirador do Papa Francisco, Gilberto Carvalho defendeu mudanças profundas na igreja a que pertence, incluindo o fim do celibato (possibilitando que membros do clero sejam autorizados a se casarem) e a permissão para que mulheres sejam ordenadas (conquistando o direito de celebrar missas e outros atos religiosos).“Senão, nós vamos ter muita dificuldade de chegar no povão. E isso está muito claro, a realidade está mostrando.”
Também participarem do debate de segunda-feira, no Centro Cultural de Brasília, instituição ligada à Igreja Católica, os padres Júlio Lancellotti e Miguel Martins e a mediadora Ana Paula Inblez Barbalho, mediadora do debate e integrante da Comissão Justiça e Paz.
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