O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou ao Congresso que ponha um freio na verba destinada ao ressarcimento de despesas atribuídas pelos parlamentares ao exercício do mandato (Ceap), mais conhecida como cotão. Os ministros decidiram sugerir às mesas diretoras da Câmara e do Senado que revejam determinadas despesas, fixem critérios mais claros para o uso dos recursos públicos e reduzam o valor total dos benefícios. O TCU identificou irregularidades e abuso na utilização da cota e falhas na fiscalização das duas Casas.
Apenas no ano passado, o Congresso gastou pelo menos R$ 188,6 milhões com o pagamento de despesas dos parlamentares como alimentação, hospedagem, aluguel de escritório e veículos, combustíveis e lubrificantes, telefone e passagens aéreas, entre outras. A verba varia de acordo com o estado de origem do parlamentar. No Senado, vai de R$ 21.045,20, para senadores do Distrito Federal e de Goiás, a R$ 44.276,60, para representantes do Amazonas. Na Câmara, o benefício é ainda mais generoso: deputados da capital federal têm direito a R$ 30.788,66 e os de Roraima a R$ 45.612,53.
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As restrições constam de decisão publicada no final de dezembro e têm como base denúncias feitas em reportagens do Congresso em Foco pela Organização Política Supervisionada (OPS), especializada no acompanhamento de gastos públicos do Legislativo. Em 2013, este site mostrou que parlamentares utilizavam a verba para alugar veículos por valores acima dos praticados no mercado, de empresas que não existiam formalmente ou que não tinham sequer carros registrados em seu nome. Em resposta à série de reportagens, a Câmara decidiu limitar a verba a ser gasta com esse tipo de contratação.
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Despesas excessivas
No acórdão, publicado no fim de dezembro, os ministros defendem que o Congresso reduza o valor global do benefício, restrinja os gastos com aluguel de veículos e escritórios políticos, com a divulgação da atividade parlamentar e com a contratação de assessorias e consultorias externas e reforce a fiscalização sobre as despesas com refeições e bebidas.
Para o TCU, as despesas mais discutíveis se referem à divulgação de atividade parlamentar e à manutenção de escritórios de apoio, que abarcam pagamentos de internet, TV a cabo, licenças de uso de softwares, locação de móveis e equipamentos, aquisições de material de expediente e de suprimentos de informática, a par dos custos inerentes de condomínio, impostos, seguros, energia, água e esgoto. Ao todo são mais de 500 escritórios regionais de deputados e de senadores, integralmente custeados pela União.
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“A divulgação de atividade parlamentar é o maior dispêndio feito pelos deputados federais, correspondendo a cerca de 20,56% do uso da Ceap, seguido da emissão de bilhetes aéreos – 20,00%; locação de veículos – 11,83%; manutenção dos escritórios de apoio – 10,22%; e telefonia – 10,02%”, diz o documento do tribunal, relatado pelo ministro Walton Alencar.
Na avaliação do TCU, a atual estrutura das duas casas legislativas não é capaz de impedir uso indevido do dinheiro público. “A realidade é que existem indícios de utilizações irregulares, equivocadas ou ineficientes dos recursos disponibilizados, e que os meios atuais de controle e fiscalização não estão sendo eficientes para mitigar o eventual abuso ou mau uso das verbas por parte de determinados parlamentares.”
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Recomendações
Para os ministros, o Congresso deve fazer as seguintes modificações em relação à cota parlamentar:
– Reduzir o valor total da verba destinada a deputados e senadores para cobrir gastos atribuídos ao exercício do mandato;
– Rever os gastos passíveis de ressarcimento a título de “divulgação da atividade parlamentar”. “Tal ação atualmente é suprida pelos meios de divulgação oficiais das casas legislativas ou pelas redes sociais, gratuitas, com o fito de restringir os gastos nessa rubrica a áreas remotas que não possuam acessos à rede mundial de computadores ou a sinais de TV ou rádio, e fixem critérios e valores máximos para esse dispêndio”, argumenta o TCU;
– Rever a manutenção de cotas destinadas ao ressarcimento de despesas com consultorias, assessorias e trabalhos técnicos. Para o TCU, a Câmara e o Senado já têm estrutura e quadros técnicos disponíveis e aptos para o fornecimento desses serviços aos parlamentares e definam as situações que excepcionalmente podem dar ensejo a tais dispêndios e os valores máximos a serem cobertos;
– Fixar valores máximos para os ressarcimentos de despesas para manutenção de escritórios de apoio dos parlamentares e estabelecer os gastos que poderão ser cobertos por essa rubrica;
– Rever os limites máximos autorizados para os gastos com locação de veículos automotores, fretamento aeronaves ou embarcações, combustíveis e lubrificantes;
– Aperfeiçoar os controles dos gastos com alimentação, a fim de corrigir distorções observadas com o ressarcimento de despesas ilegais ou suspeitas, tais como bebidas alcoólicas, refeições de terceiros etc.;
– Exigir que os ressarcimentos a título de divulgação da atividade parlamentar sejam amparados na demonstração da publicidade ou divulgação realizada, e avaliar seu caráter educativo, informativo, de orientação social ou de prestação de contas, de forma que esses valores não sejam revertidos à promoção pessoal de parlamentares;
– Rever os procedimentos atualmente adotados para aferir a adequação das despesas a serem ressarcidas e correspondente conformidade com as rubricas a que se referem.
Sem prova real
Segundo os ministros, o valor destinado ao aluguel de veículos é desproporcional. “O montante mensal para locação ou fretamento de veículos automotores, R$ 12.713,00, por exemplo, parece elevado o suficiente, que, não fosse expressa vedação, possibilita a própria aquisição de veículos pelos beneficiários. Não há qualquer avaliação da razoabilidade deste valor.”
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O tribunal também considera de difícil apuração os gastos com a divulgação da atividade parlamentar. E até mesmo injustificável na maioria dos casos devido à facilidade de acesso dos congressistas às redes sociais e aos canais oficiais de comunicação da Câmara e do Senado. “Assim, sejam quais forem os serviços ressarcidos, na prática, não há qualquer prova real e efetiva de que todos os produtos guardam estrita coerência com a atividade parlamentar, “.
No acórdão o TCU também pede à Receita Federal que tome providências em relação a 17 empresas contempladas com recursos da cota cujos endereços de funcionamento não coincidem com os da sede comercial registrados no cadastro do CNPJ. O tribunal ainda determinou o envio do processo a órgãos e colegiados como a Procuradoria da República no Distrito Federal, à Corregedoria e aos Conselhos de Ética da Câmara e do Senado.
Autor das denúncias no TCU, o fundador da ONG Organização Política Supervisionada, Lúcio Big, considera que as recomendações do tribunal vão ao encontro do que a sociedade espera. Resta agora, segundo ele, que a Câmara e o Senado demonstrem a mesma sintonia.
“A sociedade enxerga na cota parlamentar um desatino no uso de recursos públicos. Causa mal-estar saber que na legislatura passada deputados e senadores gastaram R$ 1 bilhão com essa verba. É dinheiro de todos nós utilizado sem qualquer garantia de que os princípios basilares da administração pública estão sendo respeitados.”
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