A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou por unanimidade, nesta terça-feira (8), o indicado do presidente Lula à presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, após ser sabatinado pelo colegiado. O sucessor de Roberto Campos Neto deve receber ainda o aval da maioria do plenário do Senado, em votação secreta, para assumir o posto em janeiro de 2025.
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Autonomia do Banco Central
Galípolo foi questionado pelos senadores sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) de autonomia financeira e administrativa do Banco Central (PEC 65/2023) e respondeu de forma cautelosa, ao citar ser “novo na vida pública”.
“Eu aprendi que nos debates da vida pública existem algumas palavras-chave quase gatilho. Às vezes você está numa conversa que você está discutindo temas técnicos, aí você usa uma palavra e de repente você foi para numa arquibancada de torcida ali, vira uma coisa acalorada e complexa. E eu aprendi que a autonomia é uma dessas palavras que costuma gerar um debate acalorado. Costumo brincar que a gente precisa de quase que um rebranding, reexplicar a ideia de autonomia do BC. Eu acho que existe uma ideia na polarização no debate de autonomia onde, muitas vezes, quem está defendendo está apresentando uma coisa e quem está contra está falando de outra coisa”, pontuou ele.
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O indicado destacou que o Banco Central, de acordo com a legislação atual, persegue as metas e objetivos determinados pelo “poder democraticamente eleito”. “Uma vez estabelecido pelo poder democraticamente eleito, cabe ao BC e a sua diretoria perseguir essa meta. Essa é a definição que existe.”
O BC atualmente possui autonomia operacional, isto é, independente de qual seja o governo federal, as decisões da cúpula do banco não podem sofrer interferência. A autonomia orçamentária e financeira da instituição, de acordo com a PEC, poderia interferir nas atividades de Estado do banco, como o controle sobre a inflação do país; a execução da política monetária brasileira; a determinação da taxa básica de juros no Brasil; garantir a segurança e eficiente do sistema financeiro; emissão da moeda nacional, o real; e a fiscalização dos bancos que atuam no país.
O presidente Lula é um dos principais críticos à medida. Sem citar nomes, o sabatinado comentou que os que se opõem a autonomia “são aqueles que gostariam, inclusive, que você tivesse uma maior liberdade ou elasticidade por parte da diretoria do BC de perseguir uma meta fora daquela que foi estabelecida”. “Não se trata disso, se trata de você obedecer o arcabouço institucional e legal”.
Galípolo defendeu que o BC não deveria nem votar na meta de inflação dentro do Conselho Monetário Nacional (CMN), responsável por formular a política da moeda e do crédito. “Pensando numa corporação, numa empresa, é muito estranho que quem vai ter que perseguir a meta seja responsável por estabelecer a meta que vai perseguir.”
Regulação das Bets
“O Banco Central não versa ou não tem qualquer tipo de atribuição sobre a regulação de bets. Não é o papel do BC. A discussão inicia justamente sobre o tema que o senador André Amaral (Unão-PB) estava comentando que é qual é o impacto das bets, do ponto de vista do consumo e para a atividade econômica desse país”, comentou Galípolo ao ser questionado sobre as apostas onlines.
Ante a uma epidemia de endividamento causados por jogos ou apostas online, o Banco Central divulgou um relatório em que aponta que cerca de R$ 20 bilhões foram gastos por brasileiros mensalmente, de janeiro a agosto deste ano. A nota técnica, encomendada pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), estima que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram às empresas bets R$ 3 bilhões por meio de pix, em transferências de R$ 100 por pessoa.
“A gente começou esse debate muito olhando para o quanto a renda estava crescendo, quanto que a gente conseguia ver o reflexo desse crescimento da renda apresentar em consumo e em poupança e, já usei essa expressão, havia um vazamento ali que não era simples de identificar. Nós passamos a fazer estudos internos e dialogar com diversos bancos e instituições financeiras que podiam ter dados e acesso à informação sobre isso. Confesso que nas primeiras reuniões quando os números me foram apresentados, eu tive uma grande desconfiança sobre os números e a cada reunião aqueles números iam se confirmando até chegar no montante que ficou público no estudo que o BC fez”, contou ele.
Reforma tributária
Questionado pelo senador Izalci Lucas (PL-DF) sobre um possível aumento da carga de impostos a determinados setores da economia com a reforma tributária, cuja a regulamentação (PLP 68/2024) tramita no Senado, Galípolo apontou a necessidade de se aprofundar os estudos sobre os impactos nos preços de mercado.
“Especialmente pelo tema que o senhor comentou de como vão se dar essas distribuições entre setores, por exemplo serviços e indústria, e também entre consumo e investimento. Não é simples, até porque ainda não temos a redação final, não sabemos qual é a solução final. E mesmo com a solução final, como disse já um físico, fazer projeções são sempre muito difíceis, especialmente sobre o futuro. Então, é um processo de tentar tatear essas mudanças. Mas com certeza é uma atenção que o BC tem tomado e dado e até provocado que meios acadêmicos e outras instituições possam fazer estudos sobre esse tipo de impacto”, comentou.
Críticas a Roberto Campos Neto
O sabatinado brincou que esperavam um reality show com brigas e disputas entre ele e o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, após se tornar o diretor de Política Monetária, no ano passado.
Campos Neto foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e é alvo de constantes críticas de Lula, desde que assumiu seu terceiro mandato. Comumente, o petista reclamou de patamar da taxa básica de juros (Selic), determinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.
Galípolo fez um “mea culpa” pode não ter sido um melhor mediador entre os dois, mas ponderou que institucionalmente a relação entre o presidente que deixará o comando da autarquia em dezembro deste ano e o atual presidente.
“A minha relação com o presidente é a melhor possível, com o presidente Lula e com o presidente Roberto. Sempre fui muito bem tratado pelos dois e não consigo fazer qualquer queixa a nenhum deles. Sinto não poder corroborar como ideia eventual de que poderia existir algum tipo de polarização ali, da minha parte. E até me ressinto e faço uma mea culpa, gostaria de dentro das minhas funções ter colaborado para que essa relação entre o BC e o governo Executivo fosse melhor ainda do que ela tem sido”, disse ele.
Transição climática
O indicado do presidente Lula afirmou que o tema da transição climática dentro dos mandatos de bancos centrais pelo mundo ainda é um tema que desperta divergência, mas ponderou que “todo Banco Central vai ter que lidar, a transição climática tem impacto na economia, tem impacto nos preços”.
“O Banco Central do Brasil é um dos mais atentos ao tema, tem tentado colaborar tanto com outros banco centrais quanto ao próprio governo. É um tema recorrente na participação que existe no G20 (grupo das maiores economias do mundo) do Brasil, então é um tema muito caro para todos nós”, declarou.
Galípolo ressaltou que o país tem uma oportunidade de se “firmar como um pólo” na questão. “Porque o Brasil tem hoje tanto uma segurança alimentar, quanto energética, contando com uma matriz energética mais limpa. Então, esse custo de transição seria menor.”
“As projeções sobre o que vai acontecer com a economia já são bastante complexas de serem feitas. Agora, a gente tem de adicionar também as projeções climáticas junto com as projeções econômicas, o que dá uma certa exponencialidade nas dificuldades das previsões”, disse ele.