Eduardo Militão
Os parlamentares da oposição cobram que o governo federal respeite o Congresso para possibilitar uma recuperação dos poderes do Legislativo. E o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccareza (PT-SP), despreza as críticas de que o Executivo manda demais na pauta de votação que deveria estar a cargo de senadores e deputados.
Levantamento do Congresso em Foco com base em dados da USP e do Diap mostra que 80% dos projetos aprovados pelo Legislativo entre 1995 e 2009 eram do governo federal, que também responde por pouco mais de 3% das matérias na fila de votação nos plenários.
O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) acha que não é preciso mudar regras para as Medidas provisórias. “Já teve [regra para limitar as MPs]. Mesmo assim, o governo manda MP de crédito extraordinário, com vários temas, já tem decisão do Supremo”, reclama. O tucano entende que o que falta é respeito às autoridades, às decisões judiciais e à autonomia dos Poderes.
Fruet diz que esse tipo de problema não muda no curto prazo. Para ele, é necessária uma mudança cultural. Por isso, apóia a realização das reformas, mas diz que elas não resolvem os problemas. “A gente é refém da reforma, é refém dessa ilusão. Estou no terceiro mandato e, desde a primeira eleição ficamos sempre à espera de reforma política, reforma do Judiciário e reforma tributária”, comenta.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) acredita que o acúmulo de matérias no plenário é um problema. E critica o governo por barrar propostas como a educação em tempo integral obrigatória para estudantes do ensino fundamental. “O governo se recusa a pagar R$ 20 bilhões por ano para isso”, diz ele.
Demóstenes afirma que o PT, partido do presidente Lula tem dificuldades com a ideia de enrijecer o sistema prisional e, por isso, o pacote de segurança pública não é votado. Ele diz que o problema é maior na Câmara, onde o governo tem uma maioria mais confortável.
Reforma contra MP
O senador Marco Maciel (DEM-PE) aposta em uma reforma política que extermine de vez as medidas provisórias. Diz que a máquina do governo é sempre acionada, mesmo no Senado. “Aqui, a distância entre maioria e minoria não é tão significativa, mas na Câmara é avassaladora.”
O senador destaca que a falta de análise de projetos importantes esvazia o plenário. No momento da entrevista com o site, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pedia que os senadores aprovassem a indicação de autoridades. Só havia 44 parlamentares no momento, dos quais 28 aprovaram a indicação. “E olhe que não exige maioria absoluta. Se exigisse, talvez não passasse”, comentou Maciel.
Maciel diz que a oposição só teve uma vitória nesta legislatura, a derrubada da CPMF, imposto que arrecadava R$ 40 bilhões por ano aos cofres públicos. “A primeira coisa que tem que mudar é o instituto da Medida Provisória, que cerceia o andamento das matérias.” Demóstenes engrossa o coro: “Aqui não se vota nada, porque o governo hoje pauta o Congresso”.
Para o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), os governos, sejam eles quais forem, impedem o andamento de determinadas propostas no Congresso. Ele reconhece o obstáculo gerado pelas MPs, mas, a exemplo dos governistas, entende que elas devem ser apenas restritas. Defende que, 96 horas após editadas, deve ser feito um exame de admissibilidade pelo Congresso. “Isso levaria o presidente editar uma MP na vida e outra na morte”, diz Virgílio.
Os oposicionistas concordam com a visão de que o governo federal tem mais força para aprovar matérias que o Legislativo. “O Executivo dispõe de instrumentos que induzem a votação”, diz Maciel. “Chama o seu líder de governo, seu líder da maioria. É natural que haja essa preponderância do Executivo.”
“Bobagem”
Apesar de até parlamentares da base crerem na força do Executivo em pautar o Congresso, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), desqualificou as afirmações dos colegas aliados e a oposição. “Isso é bobagem. Quem fala isso não entende nada de legislação”, dispara. “O Executivo manda, mas quem decide é o Parlamento. Toda Medida Provisória é votada aqui.”
Para Vaccarezza, não há nenhuma importância no fato de 80% das matérias aprovadas pelo Congresso nos últimos 14 anos ter sido proposta pelo governante de plantão. “Se você pegar, 100% dessas matérias, todas sofreram alteração no Legislativo. Isso não representa nada”, entende o líder do governo.
Vaccarezza diz que o problema não está no governo nem nos congressistas. Afirma que o sistema é que está errado e que o regimento interno precisa ser modificado para que toda proposta, ao ser apresentada, já indique como o assunto é tratado na legislação existente. Essa medida inibiria projetos repetitivos e sem importância.
O líder do governo Lula na Câmara acredita que extinguir ou limitar a edição de Medidas Provisórias é outra “bobagem”. “Isso não altera nada, nem dá poder, nem tira poder do Legislativo. Vivemos num país de dimensão continental e tem com necessidades imediatas e urgentes.”
A reportagem solicitou uma entrevista com um representante da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Mas o subchefe de Assuntos Parlamentares, Neuri Mantovani, afirmou que não comentaria o assunto.
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