Arthur Lira está terminando seu mandato de presidente da Câmara. Em fevereiro, espera entregá-lo a um deputado de sua confiança para manter-se influente na Casa. Seus antecessores não tiveram esse sucesso. A maioria caiu no ostracismo. A campanha pela sucessão está em curso, e o poder de Lira diminui a cada novo dia.
Na noite de quarta-feira, Lira concluiu a votação da regulamentação da reforma tributária como o grande feito de sua gestão. Na véspera, num acordo com o governo, o plenário aprovou a tramitação em urgência do texto. Com isso, o projeto foi direto para o plenário. Deputados que não integraram o grupo de trabalho criado para analisar a proposta tomaram conhecimento do texto na hora da votação. Apesar de o debate ser público, a regulamentação do novo sistema é muito complexa e, como se sabe, o diabo mora nos detalhes.
Pular etapas na tramitação de projetos, esvaziando as comissões temáticas e concentrando as “discussões” no plenário tem sido uma prática corrente de Lira. Projetos complexos são votados em minutos, com base apenas em acordos de líderes. Foi assim com a urgência para a proposta que equipara aborto a homicídio: 23 segundos para a decisão, com voto simbólico. É uma forma de controle, mas dilui o papel do Parlamento e empobrece o debate público.
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Foi o que aconteceu com a reforma tributária. Pode-se dizer que o resultado final é positivo — afinal o complicado sistema de impostos nacional será simplificado, com inegável ganho. Além disso, as discussões já têm anos no Congresso e eventuais distorções (há diversas) podem ser corrigidas pelo Senado. No entanto, ritos existem por razões concretas e deveriam ser respeitados.
O advogado tributarista Luiz Gustavo Bichara afirmou que houve um “déficit democrático” na votação. “É incompreensível a sofreguidão”, disse, lembrando que a transição para as novas regras só começa em 2026 e que as discussões poderiam se estender por pelo menos este semestre.
Bichara lembrou que ontem houve quatro versões do projeto — três delas só à noite — e 804 emendas que, obviamente, sequer foram tratadas. E que a figura do relator desapareceu, já que o texto sofreu intervenções de vários parlamentares — “parecia amendoim de churrascaria, todo mundo mete a mão”, comparou. O regimento, afirmou, não pode ser “peça ornamental”, porque suas regras são também regras de defesa do cidadão.
Já há um movimento de advogados para levar o assunto ao Supremo, para que a Corte decida se foi ou não cumprido o devido processo legal. Paralisar a reforma seria uma enorme derrota para Lira.
O Centrão sabe o valor de normas regimentais justas. Sua defesa está nas raízes desse agrupamento político, que nasceu na Constituinte lutando por regras para as votações que refletissem o pensamento majoritário do plenário. Conseguiu. O Centrão de hoje não é igual ao do passado. Continua dominando a política, e seus métodos se aprimoraram. Lira, porém, subverteu seu princípio fundador ao concentrar tanto poder.
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