Nesta terça-feira (2), será votado em plenário da Câmara o relatório final do PL das Fake News, elaborado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Apesar do nome, o texto não se limita ao enfrentamento à desinformação, mas configura um novo marco regulatório para a atividade das plataformas de rede social no Brasil. De acordo com a pesquisadora Helena Martins, professora de comunicação da Universidade Federal do Ceará, o projeto traz uma série de inovações para o ambiente virtual brasileiro, mas ainda tende a ser aprovado com algumas falhas.
Helena Martins é uma das especialistas que prestam consultoria ao Comitê Gestor da Internet (CGI), estrutura interministerial que hoje estabelece as diretrizes técnicas para o funcionamento da rede no Brasil. Por tratar de um assunto que afeta diretamente a atividade do CGI, o órgão acompanhou todo o processo de elaboração do PL das Fake News, desde sua proposição no Senado, em 2019, à conclusão do relatório.
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Em sua observação, alguns aspectos do texto se destacam em seus efeitos positivos sobre a comunicação digital no Brasil. O principal deles, na sua avaliação, é o impacto sobre como se dará a operação das big techs no Brasil. “É um projeto que busca garantir transparência na operação das plataformas digitais, que se transformaram em espaços tão relevantes mas que operam de forma muito opaca. Nesse sentido, temos a implementação de uma série de mecanismos de transparência algorítmica, transparência nos termos de uso e outras medidas bem importantes para gerar uma apropriação por parte da sociedade sobre o funcionamento dessas estruturas”, explica.
Outro ponto visto com bons olhos por elas é a reforma nos processos internos das plataformas para que usuários possam recorrer caso sofram uma sanção indevida ou queiram fazer denúncias de irregularidades, bem como questionar políticas de conteúdo das empresas. “São mecanismos bem importantes para que as decisões tomadas pelas plataformas não sejam estritamente unilaterais, mas que haja um envolvimento dos usuários das redes sociais na observação dos conteúdos que circulam na internet”, defendeu.
Existem, porém, detalhes do projeto que a pesquisadora avalia como potencialmente nocivos. Entre eles, se destaca um que, se não for mantido, corre o risco do relatório não ser aprovado: a extensão da imunidade parlamentar no meio digital. “Isso é bastante preocupante. Várias pesquisas mostram que, muitas vezes, os parlamentares estão envolvidos na promoção de desinformação. Inclusive, passa por eles a amplificação de campanhas de desinformação. Isso não pode significar um salvo-conduto para que parlamentares continuem operando campanhas desse tipo”, alertou. Esse trecho, porém, é amplamente defendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A pesquisadora também considera que, apesar do projeto trazer muitos avanços na responsabilização das plataformas pelo conteúdo em circulação, a forma como consta no texto ainda apresenta brechas. “A proposta do relator, vinda de uma série de conversas, coloca que há um dever de cuidado, mas cria um mecanismo de responsabilização apenas quando há a instauração de um protocolo. As plataformas só são responsabilizadas caso não desenvolvam as medidas instituídas em um protocolo”, explica. Helena afirma preferir a proposta enviada pelo governo, que estabelece uma ação permanente das plataformas no cuidado com seu conteúdo.
PublicidadeO aspecto central do texto, porém, Orlando Silva delegou às lideranças partidárias, que deverão se reunir durante a semana para decidir qual órgão ficará encarregado de fiscalizar a aplicação da nova lei. O melhor modelo, na visão de Helena Martins, seria o de criação de uma nova entidade autônoma, como acontece em outros países onde existem regulações do tipo, a exemplo da França, Austrália e Inglaterra.
Essa possibilidade, porém, foi descartada pelo relator, que identificou uma forte resistência no parlamento para esse modelo. “Eu considero muito ruim que o Brasil não avance no sentido da criação de um modelo regulatório público e participativo, que envolva os mais variados agentes na tomada de decisões”, lamenta. O pior caminho, para ela, seria o modelo de autorregulação das plataformas. Esse segue na mesa de discussões. Orlando Silva, porém, antecipou ao Congresso em Foco que um meio termo também segue com força entre as possibilidades, com a definição da Anatel como entidade reguladora.