Apesar da vitória eleitoral do presidente Lula em 2022, a Frente Parlamentar Ambientalista chegou à nova legislatura com um novo desafio: lidar com uma formação ainda mais conservadora do que a anterior. A bancada ruralista, principal foco de divergência às pautas ambientalistas, elegeu 324 deputados e 50 senadores, mais do que o necessário para aprovação de uma emenda à Constituição.
Em entrevista prestada ao Congresso em Foco, o coordenador da bancada ambientalista na Câmara, Nilto Tatto (PT-SP), conta que o bloco precisou rever suas estratégias diante do novo cenário político. Além de redesenhar sua forma de atuação, a frente parlamentar passa a contar com o apoio do governo federal, o que garante uma força maior na capacidade de articulação.
Se por um lado os principais desafios enfrentados pela frente parlamentar prevalecem, a nova abordagem permitiu novos resultados ao longo dos dez primeiros meses da nova legislatura. Apesar da Câmara aprovar pautas contrárias ao interesse ambiental, como o marco temporal e a redução da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, o olhar ecológico conseguiu entrar em itens de forte interesse nacional, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal.
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A tendência, conforme aponta o deputado, é de manutenção dessa estratégia de inclusão da pauta ambiental em debates dos demais setores. Dessa forma, a bancada espera auxiliar o governo com o plano de realizar a transição do sistema econômico brasileiro para um modelo econômico sustentável, tema que ganha importância reforçada com o aumento dos desastres climáticos extremos.
Alguns desafios, porém, ele relembra que são inevitáveis para essa transição. Isso inclui necessariamente reformar o agronegócio brasileiro, setor que resiste a mudanças legislativas que fortaleçam órgãos de fiscalização e modelos de negócios que não tragam lucro imediato. “Se a gente não começar a cuidar, o Brasil vai perder mercado”, alertou.
Confira a íntegra da entrevista:
PublicidadeCongresso em Foco – Quais foram as principais mudanças percebidas no cenário político para a bancada ambientalista com um Congresso mais conservador?
Nilto Tatto – De fato, temos nessa legislatura um congresso um pouco mais conservador do que na legislatura anterior, mas agora temos um diferencial: apesar de sermos poucos, temos por parte do executivo uma série de ações que retomam com mais ênfase a agenda ambiental, talvez até de forma revolucionária em termos de Brasil, diferente inclusive dos governos anteriores.
Temos agora não apenas Marina Silva de volta no Ministério do Meio Ambiente, mas nós também a criação, em diversos ministérios, de áreas específicas para enfrentar o debate da crise climática. Temos, por exemplo, o Ministério da Fazenda debatendo e discutindo uma re-industrialização do país com indústria de baixa emissão de gases de efeito estufa, bem como a transição ecológica em todas as cadeias produtivas, não só na produção energética. Esse é um diferencial muito grande.
O que nós tínhamos até recentemente era uma atuação de poucos parlamentares da agenda socioambiental aqui no Congresso Nacional para resistir aos retrocessos, ao desmonte que vinha ocorrendo no governo anterior. Esta resistência era feita por esses poucos parlamentares de forma muito articulada com a sociedade civil. Hoje, a gente ainda se vale dessa articulação com a sociedade civil, mas também contamos com o apoio do governo.
No ponto de vista da agenda ambiental global como resultado final, estamos vivendo numa conjuntura melhor apesar de termos um congresso que não contribui de forma decisiva com aquilo que a gente gostaria fosse feito, agora temos, por parte do governo, a segurança para impedir ou vetar, evitando que certos projetos sigam adiante.
Quais foram os projetos de maior interesse da bancada aprovados esse ano?
Para nós aqui na câmara, não posso assegurar que tenha sido discutido algum projeto interessante nessa perspectiva daquilo que a gente reconhece que tem hoje como positivo. O que tem é, naqueles grandes projetos que vieram para cá, como a reforma tributária, elementos que trabalham a perspectiva da sustentabilidade ambiental. No arcabouço fiscal, que veio do governo, também temos elementos que vão nessa perspectiva.
Nesse sentido, eu fico muito feliz. De repente estamos vendo uma preocupação com a agenda ambiental vinda de setores importantes, que ajudam a gente a construir consensos dentro da Casa, que nós não conseguiríamos se fossem tratados a partir de um viés somente ambiental.
No sentido oposto, quais projetos despertaram o alerta para a frente ambientalista no Congresso?
Temos o projeto dos agrotóxicos e o novo código de licenciamento ambiental. Não estou falando aqui que nós não precisamos atualizar a legislação sobre agrotóxicos, mas queremos discutir isso sob uma perspectiva da agroecologia, da necessidade de buscar alternativas de insumos para a agricultura, como os bioinsumos, outro debate que queremos avançar na Câmara.
Queremos também atualizar a legislação sobre o licenciamento ambiental, mas não na perspectiva do relatório que foi aprovado aqui e enviado ao Senado. Precisamos assegurar o quanto é importante ter mais cuidado, agilidade e segurança jurídica. Por isso, precisamos de um código que fortaleça as instituições públicas como o Ibama, para que possam trabalhar com maior agilidade, aproveitar melhor os estudos de licenciamento e responder ao empreendedor com celeridade sobre a possibilidade ou não daquele empreendimento.
Isso não é aquele projeto que foi aprovado aqui na Câmara. Aquele é para liberar geral, e não ter o devido cuidado, a preocupação daquele que é o interesse geral da sociedade e que o processo de licenciamento ambiental deve garantir.
Quais propostas estão no radar da bancada para futuros debates?
Nós queremos debater aquilo que trará maior oportunidade para o Brasil. Por exemplo, temos o debate sobre o mercado de carbono. É uma oportunidade que se coloca, é importante que a gente debata. Mas o debate deve ser em cima dessa perspectiva de cuidado regular, para evitar que os grandes poluidores deixem de diminuir suas emissões de carbono e simplesmente permaneçam pagando, e para garantir o uso devido dos recursos obtidos.
O fato é que o Brasil tem o potencial de ser o grande recebedor de crédito. (…) O mundo todo procura alternativas de como produzir bens e serviços com baixa emissão de gases de efeito estufa, e o Brasil tem oportunidades em diversas áreas: pela sua extensão territorial, pela sua agricultura, pela biodiversidade, pelo seu povo.
Agora, não dá para só pensar na agenda ambiental, diminuir as emissões, mas manter a desigualdade histórica. Quem sofre as consequências, os impactos dos grandes desastres, como estamos vendo agora no Rio Grande do Sul, sempre são os mais vulneráveis. O que a gente quer é trabalhar nessa perspectiva.
Precisamos avançar em ter uma política de pagamento de serviços ambientais. É um reconhecimento para quem conserva a floresta. Temos pela legislação, às vezes, a permissão para que determinado proprietário ou determinada comunidade possa desmatar uma área X, mas opta por não desmatar, acreditando se tratar de algo importante para a região, para a humanidade ou para o Brasil. Nesses casos, precisamos criar um mecanismo de pagamento. É o tipo de legislação que precisamos fazer.
Mesmo com o aumento das catástrofes climáticas, vemos a resistência de certos setores, em especial do agronegócio, em abraçar pautas ambientalistas. O que promove essa resistência?
Tem muitas coisas que nós precisamos avançar no ponto de vista do marco legal, mas é difícil convencer isso para quem só vê o lucro imediato. Boa parte do setor do agronegócio precisa entender que logo vai perder mercado se continuar com essa mesma forma de retirar riqueza da natureza. Se a gente não começar a cuidar, o Brasil vai perder mercado e continuar sendo exportador de matéria prima barata: seja na mineração, seja na agropecuária, nós precisamos nos reinventar.
Por um bom tempo, continuaremos sendo produtores de commodities. Mas precisamos avançar para que possamos nos tornar produtores de alimentos, com valor agregado, para o povo brasileiro mas também para o mundo.