Na semana passada, o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA) lembrava-se de um episódio da Assembleia Nacional Constituinte, que aconteceu entre 1987 e 1988. Na ocasião, Rocha ainda não era parlamentar. Era sindicalista, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias Gráficas do Pará. Nas discussões da Constituinte, em determinado momento ele veio a Brasília para defender, no Congresso, interesses dos trabalhadores junto com outros dirigentes ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Era um grupo grande e barulhento. Entraram no Congresso, e a segurança tentou limitar a presença de todos nas galerias do plenário da Câmara. O grupo não aceitou, forçou a barra e acabou subindo.
Rocha recorda-se que parlamentares do campo conservador à época criticaram o fato e começaram a discursar exigindo dos seguranças – que ainda não tinham, como hoje, o nome de Polícia Legislativa – que tirassem os sindicalistas, nem que fosse à força. Um desses parlamentares tentava exibir um volume dentro do paletó, indicando que talvez estivesse armado. Um dos sindicalistas esquentou-se com a situação, arrancou a sandália que calçava e a atirou na direção do parlamentar, lembra Paulo Rocha às gargalhadas.
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No momento em que o senador contava essa história, a entrada principal do Congresso Nacional estava completamente vedada. Cercas de metal circundavam toda a área a partir do gramado, impedindo mesmo o acesso de carros à rampa que leva à entrada principal da Câmara e do Senado, apelidada de Chapelaria. O acesso estava permitido somente pelos anexos. Uma medida de segurança determinada sob o pretexto de que grupos indígenas estavam acampados em Brasília em grande número e fariam uma manifestação. A foto acima mostra claramente como a via estava interrompida. E o pequeno amontado de indígenas que havia na frente do Congresso somente alguns minutos antes da conversa em que Paulo Rocha recordou esse episódio.
É claro que ninguém recomenda como atitude aceitável se atirar uma sandália na direção de um parlamentar. Mas a comparação entre os dois episódios parece mesmo demonstrar que, nesse intervalo de 34 ou 35 anos, houve uma degradação preocupante dos mecanismos democráticos do país. Talvez nem se precise avançar tanto assim no tempo. Durante as manifestações que acabaram resultando no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), ficaram acampados, durante mais de uma semana, no próprio gramado do Congresso agora protegido pelas tais cercas de metal.
Paulo Rocha compara os dois episódios para defender as razões pelas quais consolida-se a chapa entre Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência pelo PT, e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, seu provável candidato a vice, pelo PSB.
PublicidadeOs grupos mais à esquerda no PT e nos partidos aliados torcem o nariz para a presença de Alckmin. De fato, Alckmin foi um adversário desse campo. Na reeleição de Lula, em 2006, ele foi o candidato do PSDB derrotado no segundo turno. Em 2018, ele era de novo candidato contra Lula, tendo a ex-senadora Ana Amélia como vice, alguém que hoje reprova a aliança e já declarou que não vai votar na chapa formada com o petista. E não é porque Alckmin entrou para o Partido Socialista Brasileiro (PSB) que ele tenha se tornado um socialista. Alckmin é um político conservador, e não deixou de ser.
Mas Rocha aponta que há uma diferença entre o perfil conservador de Alckmin e o perfil de parte importante da direita que está ao lado do presidente Jair Bolsonaro, que tenta a reeleição. Uma diferença que talvez inclua o próprio Bolsonaro, que a todo momento elogia a ditadura militar que houve de 1964 a 1985 e que ainda outro dia disse que respeitar a Constituição era algo que lhe dava “embrulho no estômago”. Alckmin é um democrata.
Para Paulo Rocha, esse é o ponto principal em discussão. Se há de fato algum risco de ruptura democrática, que pode vir a ser legitimado por uma eventual vitória de Bolsonaro, parece importante que aqueles que atuam dentro do campo democrático deixem de lado por um tempo suas diferenças e se unam.
De certa forma, ao fazer o movimento de aproximação com Alckmin, Lula trouxe para dentro da sua própria chapa a chamada terceira via. Alckmin é alguém com perfil próximo do perfil daqueles que buscam ser essa alternativa – alternativa na qual o candidato do PDT, Ciro Gomes, como ele mesmo ressalta, não se inclui.
Talvez seja necessária uma união que garanta a continuação dos espaços nos quais os diversos grupos políticos possam democraticamente debater suas diferenças. Como ocorreu na Constituinte. Para Paulo Rocha, o jogo agora talvez se dê em torno de garantir a manutenção desses espaços, daí talvez a necessidade de adiar para depois outros embates.
Quando o prédio do Congresso Nacional foi concebido por Oscar Niemeyer, havia no gramado do Congresso um parlatório, um palanque que deveria ser usado pelo próprio povo, como o que há no Hyde Park, em Londres. Infelizmente, na intervenção forçada quando Antonio Carlos Magalhães presidia o Senado, o parlatório foi eliminado para a construção do espelho d’água que há hoje, um primeiro passo no processo de construção dos muros que separam o povo do Congresso. Mas o espírito inicial do gramado do Congresso precisa ser preservado. Se fosse para ser somente bonito, ele seria lotado de flores. É amplo e aberto justamente para abrigar ali manifestações populares. Não para ser cercado por feias estruturas de metal.
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