Pedro Simon *
Nenhum botequim ou negócio, por mais modesto, seria capaz de se manter por muito tempo caso fosse submetido às condições contratuais atualmente praticadas pela União com relação à dívida dos estados da federação. Tomo o exemplo do meu estado, o Rio Grande do Sul, mas os demais vivem situação semelhante.
Essa circunstância impõe a urgência da deflagração de um movimento nacional por uma revisão dos números dessa dívida. Em 1997, o Rio Grande devia R$ 11 bilhões à União, pagou R$ 18,7 bilhões até 2010 e, em 2012, ainda devia R$ 40 bilhões. Aproximadamente 13% da arrecadação são consumidos pelo serviço de uma dívida que não para de crescer.
Com referência à totalidade dos estados, contabilizando as dívidas e pagamentos de 1999 até 2011, a situação era a seguinte: com uma dívida de R$ 121 bilhões, os estados pagaram R$ 165 bilhões, enquanto o montante devido chegou à impressionante cifra de R$ 369 bilhões. A atualização dos contratos elevou em 589% a dívida, em contraste com uma inflação oficial de 133% no período. Um trabalho pesado e sem trégua capaz de humilhar Atlas, condenado por Zeus a sustentar os céus por toda a eternidade.
São números expressivos e, por trás deles, existe a realidade social, econômica e financeira dos estados e as reivindicações e necessidades de milhões de brasileiros. São programas sociais, despesas com saúde, educação e segurança, obras de infraestrutura e investimentos diversos paralisados ou em marcha lenta. Em virtude de um endividamento brutal alimentado por condições abusivas, incluindo as garantias draconianas vinculadas às transferências constitucionais.
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Como surgiu essa dívida? Em 1998, o governo federal empreendeu um esforço de recuperação e ajuste fiscal que exigiu um refinanciamento das dívidas dos estados, que até então promoviam a rolagem dos encargos no mercado financeiro mediante pagamento de juros exorbitantes. A administração de cunho liberal introduziu no pacote de refinanciamento a exigência de privatização de empresas e bancos estatais, além da federalização de títulos públicos. Porém, a situação era tão complicada que os governadores e parlamentos estaduais aceitaram as condições impostas pela União que, afinal, ainda eram mais generosas que as da banca privada.
Se no início os estados respiraram aliviados, a evolução da dívida superou extraordinariamente a inflação e o torniquete apertou novamente. Chegamos então à situação atual. A União exige dos estados, contraditoriamente, taxas de juros superiores às que o BNDES cobra de conglomerados privados, através da elevação da dívida pública. Uma distorção de prioridades de natureza perversa e prejudicial ao desenvolvimento equilibrado do país. Está mais do que na hora de uma reação nacional organizada para levar o governo a revisar sua política. A administração não pode ser mais amiga do mercado do que dos estados.
* É advogado e senador da República pelo PMDB do Rio Grande do Sul.