Ainda em meio ao enfrentamento à crise humanitária vivenciada pela população Yanomami, que sofre com surtos de malária, intoxicação por mercúrio e fome em decorrência do garimpo realizado clandestinamente dentro de reservas indígenas, parte da Câmara dos Deputados já se esforça para retomar a discussão sobre a legalização da mineração dentro ou próxima de terras indígenas na Amazônia. Um deles, Saulo Vianna (União-AM), tenta articular com o governo a liberação de um ponto de escavação de potássio na região.
A questão da mineração em terras indígenas foi um dos temas centrais da Câmara no primeiro semestre de 2022, quando foi aprovado o requerimento de urgência do projeto que legaliza a prática, o PL 191/2020. O projeto foi defendido pelo antigo governo, que procurava permitir acesso às jazidas de cloreto de potássio, matéria-prima de fertilizantes utilizados para potencializar a produção de frutos e grãos. Hoje, esses fertilizantes são importados principalmente do Canadá e dos países do Leste Europeu.
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Saulo Vianna não é o único a retomar a discussão. O deputado Evair de Mello (PP-AL), vice-líder do antigo governo, afirma que já trabalha junto a outros parlamentares defensores da proposta para conseguir pautar novamente no Congresso Nacional a mineração em terras indígenas na Amazônia, cujo projeto de lei aguarda a indicação dos membros de seu grupo de trabalho para seguir a tramitação.
Soberania
Tanto para Evair de Melo quanto para Saulo Vianna, a extração de potássio na Amazônia é uma questão de soberania. “A exploração sustentável do potássio em Autazes pode tirar o Brasil da segunda posição como maior importador deste importante fertilizante para um dos maiores exportadores do mundo, além de fortalecer a economia do Amazonas”, defendeu o deputado amazonense sobre a mina que trabalha para conseguir a abertura.
Por outro lado, entre os quadros governistas, o assunto já é visto com preocupação. Aliel Machado (PR), vice-líder do PV, relembra que a discussão sobre a mineração na Amazônia é um resquício do programa do governo anterior, e que a atividade, já realizada clandestinamente, está atrelada à situação de emergência na região. “É impressionante a falta de sensibilidade em algumas pessoas de não compreender isso. Isso não é um debate sobre política, é sobre uma ação concreta: em detrimento dos povos originários, já fizeram a extração mineral na região, e acabaram destruindo a vida de muitas pessoas, inclusive com o desmatamento”,
Evair de Melo considera desonesta a associação entre a crise Yanomami e a legalização da mineração nas terras indígenas da Amazônia. “O que queremos é debater esse assunto à luz da razão, à luz da ciência, em um debate completamente descontaminado dessa discussão sobre os Yanomami, ligado à extração de ouro. O ouro não tem relação com isso. Estamos falando de potássio, nióbio, xisto, outros minerais. A questão do garimpo é uma questão de polícia”, declarou.
Articulação no Executivo
Em paralelo ao esforço no Poder Legislativo, Saulo Vianna busca apoio dentro do Poder Executivo para avançar no projeto de instalação de jazidas administradas pela empresa Potássio do Brasil no município de Autazes, no leste do Amazonas. A área de extração fica a poucos quilômetros de quatro comunidades indígenas: duas com área demarcada e duas em processo de demarcação.
O projeto de extração possui licença prévia, e o deputado procura articular a liberação da licença de instalação para a jazida. Para isso, já solicitou audiência com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Vamos buscar o diálogo com o ministro e com o governo para que o processo de exploração de potássio em Autazes, de forma sustentável, obedecendo a legislação ambiental brasileira e socialmente justa, siga adiante. Esse projeto irá fortalecer a economia e o desenvolvimento do Amazonas e do Brasil”, declarou.
Aliel Machado relembra que parlamentares ligados ao agronegócio constantemente articulam entre iguais, em vez de procurar a pasta especializada no assunto em questão, e o caso da mineração na Amazônia não é diferente. “Essa lógica de discutir com o Fávaro foi a mesma lógica de tirar o Ministério da Saúde do debate sobre a flexibilização dos agrotóxicos, em 2022. Apenas o Ministério da Agricultura foi consultado, o que é um erro”, apontou.
Desta vez, o deputado já considera pouco provável que a ala favorável à mineração na Amazônia alcance sucesso. “Hoje já existe o Ministério dos Povos Originários, já temos o fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente, e o presidente Lula já deixou claro que essa política não será aceita. Enquanto federação [PT-PV-PCdoB], nós não vamos aceitar esse tipo de política”, ressaltou.
Impacto econômico e ambiental
Questionado pelo Congresso em Foco, Saullo Vianna afirma que o projeto de extração de potássio em Autazes não compromete a preservação ambiental na região. “O projeto de lavra é de mineração subterrânea para a extração do mineral a 800 metros de profundidade, ocupando uma área de 350 hectares, muito diferente do método praticado nos garimpos ilegais, o que não impactará famílias, moradores e empreendimentos que por ventura estejam em seu traçado”, disse em nota.
O parlamentar acrescenta que “o projeto também não prevê contaminação”. Segundo ele, “será uma mina totalmente isolada que terá como resíduo o sal extraído e que será depois devolvido às profundidades, o que fará dela uma das mais sustentável do mundo”, e que a população indígena próxima da perfuração está em processo de consulta popular. A região, de acordo com ele, é majoritariamente de várzeas e fazendas, não havendo risco de desmatamento.
A deputada e ambientalista Duda Salabert (PDT-MG) chama a atenção para o histórico da atividade de mineradoras na Amazônia. “Temos que lembrar que diversos povos indígenas estão sendo contaminados e mortos não só pelos garimpeiros, mas também pela atitude irresponsável de muitas mineradoras”. Esse tipo de impacto já foi apontado em relatório da Amazon Watch e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em 2022, que destacou o dano periférico deixado por mineradoras na construção de infraestrutura para sua atividade, bem como o comprometimento da dinâmica social dos povos indígenas próximos, mesmo em relação às jazidas autorizadas.
Salabert ainda destaca que a adoção de um modelo econômico extrativista na Amazônia, em especial nas proximidades de comunidades indígenas, vai na contramão da atual agenda governamental. “O nosso é, primeiro, garantir a demarcação de territórios indígenas, e segundo, há que se lembrar que o Brasil, no discurso e programa do presidente Lula, já anunciou ao mundo uma política de desmatamento zero, o que é completamente incompatível com essa atividade minerária”.
Paralelamente ao esforço da ala favorável à extração mineral na Amazônia em articular com o Ministério da Agricultura, Duda Salabert conta manter contato com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem já estabeleceu um objetivo em comum. “O que nós precisamos fazer é atualizar a legislação ambiental, deixando-a mais rígida, porque estamos em um contexto de emergência climática que pede que a atividade minerária se adeque a esse contexto, e não pratique mais essa atividade irresponsável que tem não só contaminado e matado a população indígena, mas também destruído nossos aquíferos e impactado diretamente os nossos biomas”, defendeu.