Ao longo dos anos de 2023 e 2024, o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) dedicou um valor considerável de suas emendas individuais ao patrocínio de comunidades terapêuticas vinculadas a aliados. Nesses dois anos, o deputado realizou sete repasses, no total de R$ 2,7 milhões, à Sociedade Assistencial Saravida. A organização foi fundada por dois colegas de seu partido: o deputado estadual Cleiton Collins e sua esposa, a deputada federal Michele Collins, ambos de Pernambuco.
Michele é uma integrante recém-chegada ao PP na Câmara: ela era suplente até o mês de junho, quando assumiu a vaga de Clarissa Tércio, que se licenciou para se dedicar às eleições municipais. A nova deputada e o marido são aliados próximos do deputado Lula da Fonte (PP-PE), filho de Eduardo. Lula, inclusive, fez uma doação para a campanha de Cleiton Collins em 2022.
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Michele e Cleiton são pastores do ministério Recuperando Vidas com Jesus, atuante em Recife (PE). Em seu site oficial, a entidade afirma que “conta com a estrutura de atendimento aos dependentes químicos em casas de recuperação instaladas por todo estado, a exemplo da Sociedade Assistencial Saravida”.
Apesar de não estarem cadastrados como administradores no CNPJ da entidade, os dois são figuras frequentes no conteúdo das redes sociais da Saravida, apresentando-se publicamente como seus fundadores. A rede tem como presidente Emanoele de Morais de Albuquerque, que em 2022 chegou a exercer o cargo de assessora de gabinete de Michele durante seu mandato como vereadora.
Os repasses foram identificados a partir de dados da Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental por meio do Portal da Transparência. Ao todo, foram sete emendas distribuídas por Eduardo da Fonte neste mandato, além de outros repasses menores na legislatura anterior. A íntegra da lista de emendas parlamentares para a Saravida pode ser acessada aqui.
PublicidadeFragilidade no controle
O advogado Antonio Rodrigo Machado, mestre em direito, professor de direito administrativo do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), avalia que os repasses não chegam a configurar crime, mas podem ser questionados em sua constitucionalidade, pois há indícios de violação do princípio da impessoalidade.
Ex-presidente da Comissão de Legislação Anticorrupção e Compliance da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Direito Federal, ele alerta que o atual desenho de distribuição de emendas parlamentares não apenas permite que situações do tipo aconteçam, mas cria condições para que se tornem comuns. “O sistema de destinação de emendas parlamentares para organizações não-governamentais é, por si só, bastante controverso. Ele abre precedentes para que o fato de um aliado político ser dirigente direto ou indireto daquela Ong não faça, por si só, muita diferença, mesmo sendo capaz inclusive de alavancar determinadas carreiras políticas”.
A contadora Josita Rosa, presidente do Instituto Fiscalização e Controle (IFC), também enxerga com preocupação o envio de emendas de um parlamentar à organização ligada a uma colega de partido. “As pessoas que recebem mandatos públicos deveriam prestar contas aos eleitores. Mas infelizmente, ao longo dos últimos anos, o instituto das emendas parlamentares serviu muito mais para facilitar a corrupção do que melhorar a vida da população, em especial dos mais necessitados”, lamentou.
Outro lado
O Congresso em Foco questionou o gabinete de Eduardo da Fonte sobre os motivos que levaram a destinar emendas parlamentares a uma instituição ligada aos seus colegas de partido. Os gabinetes de Michele e Cleiton Collins também foram acionados. A assessoria de comunicação da deputada foi a única a se pronunciar. Segue a íntegra da nota:
“É importante esclarecer que, embora tenha sido idealizada e fundada pela deputada federal Missionária Michele Collins e pelo seu esposo, o deputado estadual Pastor Cleiton Collins, o corpo administrativo e técnico da Saravida é composto por profissionais sem vínculos políticos, assegurando a total independência e integridade da instituição.
O deputado federal Eduardo da Fonte destinou a entidade Saravida que tem 21 anos de atuação e já recebeu a visita de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), por entender ser merecedora desse incentivo para a continuidade do serviço sério e de qualidade realizado.A parlamentar acredita que todo o processo e a aplicação dos recursos recebidos pela instituição foram realizados conforme a legislação vigente, sendo transparente, que pode ser acompanhado no sistema transferegov.
Missionária Michele deixa claro que não participa e nunca participou da decisão de nenhum parlamentar acerca de envio de recursos para qualquer instituição”.
Também foram enviados questionamentos à rede Saravida sobre qual foi o destino dado ao dinheiro recebido por meio das emendas. A entidade não se pronunciou.
O espaço para respostas segue aberto, e a matéria será atualizada diante de quaisquer pronunciamentos.