A disputa por um imóvel funcional da Câmara abriu uma briga entre dois deputados e uma ex-parlamentar e corre o risco de virar caso de polícia e parar no Conselho de Ética. Na última quinta-feira (2), a deputada em primeiro mandato Dandara Tonantzin (PT-MG) procurou a Quarta-Secretaria da Casa para pegar a chave do apartamento funcional previamente garantido a ela. Vencia naquela data o prazo de 30 dias para que a ex-deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP), que havia vivido ali na legislatura passada, entregasse o imóvel que seria repassado à petista.
Dandara descobriu, então, que já havia outro morador no apartamento: o também deputado novato Dr. Pupio (MDB), do Amapá, mesmo estado de Marcivânia. Em vez de devolver as chaves diretamente à Quarta-Secretaria, a ex-deputada repassou o imóvel ao colega de estado, em desacordo com as regras da Câmara. As normas da Casa que tratam do assunto estabelecem critérios e condições para a ocupação de imóvel funcional pelos parlamentares novatos: mulheres, pessoas com deficiência e idosos têm prioridade na lista de espera.
Além de mulher, a mineira também atende a outra exigência: embora tenha apenas 29 anos, ela divide com a mãe e um irmão os cuidados do pai, um idoso com deficiência diagnosticado com a doença de Alzheimer. A condição do pai da parlamentar foi atestada por perícia médica realizada por ele na Câmara.
Desocupação e processo
Uma das vice-líderes do PT, Dandara buscou um acordo com Marcivânia e Pupio, sem sucesso até agora. A deputada estuda acionar a Polícia Legislativa para tirar o colega à força do imóvel e entrar com uma representação contra ele no Conselho de Ética, pedindo a cassação de seu mandato por quebra de decoro.
A petista disse ao Congresso em Foco que passou por quatro flats desde que assumiu o cargo em Brasília, em 1o de fevereiro. “Aluguei de acordo com o que eu podia pagar e por um período menor porque acreditava que eu pudesse pegar o apartamento funcional antes”, afirmou a deputada.
PublicidadeSegundo ela, a Câmara tomou conhecimento de que o imóvel estava ocupado por Pupio há três semanas. A Quarta-Secretaria ofereceu, ainda de acordo com a deputada, outras três opções de imóvel funcional na Asa Sul para o amapaense. Mesmo assim, ressaltou, o emedebista se recusou a sair do apartamento que ocupa na Asa Norte.
Dandara afirma que não aceita outra opção porque o imóvel reservado a ela tem todas as condições de acessibilidade, como barras de segurança, espaço para circulação de cadeira de rodas e ausência de degraus, diferentemente dos outros rejeitados por Pupio.
Sem retorno
O Congresso em Foco procurou Pupio e Marcivânia para comentar as declarações de Dandara. Nenhum dos dois atendeu ou respondeu às mensagens enviadas. “Vou solicitar a troca do segredo da chave, já que tenho o termo de ocupação do imóvel, e solicitar que a Polícia Legislativa venha comigo na semana que vem. Se for necessário, vamos entrar no Conselho de Ética. Isso é burlar as regras e as normas da Casa em benefício próprio. O Código de Ética da Câmara é claro nesse sentido”, afirma a deputada mineira.
Ela conta que Marcivânia lhe disse que Pupio chegou ao imóvel na condição de hóspede. Gostou das acomodações. E por lá resolveu ficar, pedindo a ela as chaves. A petista relata que ligou para o deputado, que lhe afirmou acreditar que a situação estivesse resolvida. “Ele me pediu cinco minutos que iria esclarecer o caso, e até agora, mais de 24 horas depois, não deu nenhum retorno”, reclama Dandara. Vereadora eleita em Uberlândia em 2020, a pedagoga negra e feminista chegou à Câmara após conquistar 86 mil votos em outubro passado.
O quarto-secretário da Mesa Diretora, Júlio Mosquini (MDB-RO), afirmou ao Congresso em Foco que está trabalhando para resolver o problema na base do diálogo. A secretaria é responsável por cuidar dos imóveis funcionais. “A polícia legislativa não tem essa função. Já oferecemos outro imóvel ao deputado Dr. Pupio, estamos trabalhando para resolver o mais breve possível”, afirmou.
Auxílio-moradia
Atualmente a Câmara dispõe de 432 apartamentos funcionais. Os imóveis têm, em média, 225 metros quadrados, quatro quartos, sendo duas suítes. Podem ter acesso a esse tipo de imóvel, que pertence à União, deputados nomeados ministros; os afastados por até 120 dias; e os eleitos para o Senado (reciprocidade). As unidades são distribuídas a partir de uma relação de interessados, elaborada pela Quarta-Secretaria. O imóvel se destina exclusivamente à residência do parlamentar e seus familiares, proibida a cessão ou transferência a terceiros.
Os deputados que não ocuparem imóvel funcional podem fazer uso de auxílio-moradia para custear as despesas com hospedagem em Brasília. O auxílio é de R$ 4.253,00, valor que pode chegar a R$ 8.400,00 com o uso de parcela da cota para o exercício da atividade parlamentar. O montante foi reajustado por decisão da Mesa Diretora em fevereiro após a reeleição do presidente Arthur Lira (PP-AL).
* Colaborou Lucas Neiva