A autonomia do Congresso Nacional se consolidou pelo orçamento. Ninguém que acompanhou o processo político nessa última década pode ignorar que a relação entre os Poderes começou a mudar quando a impositividade foi adotada como regra em 2014, quando relatei pela primeira vez a Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Desde então, não apenas o Legislativo passou a exercer de fato suas funções constitucionais, se valendo da autonomia conquistada para moderar o Executivo (à direita ou à esquerda), garantindo um mínimo de continuidade ao país, como conseguiu aproximar o orçamento da população, levando recursos diretamente aos municípios.
É preciso olhar para essas conquistas sem o preconceito histórico contra o parlamentar. Há problemas e é preciso corrigi-los com fiscalização e punição nos casos necessários, mas sem retroceder a um período no qual também havia desvios, mas com o agravante de que o Executivo governava praticamente sem controle algum por parte de nenhum poder.
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Deve-se celebrar a conquista civilizatória que é ter um Congresso com capacidade de fiscalizar o Executivo. Isso permite moderar gestões sem criar ingovernabilidade, além de estar constantemente desenvolvendo um senso de responsabilidade fiscal nos parlamentares que não é possível se eles são apenas “clientes” do Executivo, sem participação efetiva na organização das despesas do país.
Muito se fala em disputa política entre o Congresso e o Planalto, mas isso é preciso ir além disso; Perceber os ganhos políticos diretos e indiretos dessa autonomia do Legislativo como conquista que independe de quem está no poder.
Nesse sentido, o PLP 175/2024, do deputado Rubens Júnior (PT-MA), mesmo tendo a intenção de atender as demandas por transparência, promoverá, na prática, um retrocesso gigante para o país.
Primeiro, nas emendas de bancada e de comissão, deputados e senadores só poderão mandar dinheiro para destinos listados previamente pelo Executivo. Segundo, nas emendas individuais, os critérios que podem impedir sua execução subiram de sete da atual LDO, também relatada por mim, para 27. Além disso, quem dirá o que está ou não compatível com a lei é o próprio Executivo, que ganha um poder discricionário sobre o Orçamento que pode anular os avanços institucionais dos últimos anos.
Entre esses itens, os mais complicados, por serem os mais subjetivos, são os parágrafos VII e VIII que preveem a não execução de emendas por “incompatibilidade com a política pública aprovada no âmbito do órgão setorial responsável pela programação” e “incompatibilidade do objeto proposto com o programa do órgão ou entidade executora”.
Combinado com o inciso 2, segundo o qual “caberá à área técnica de cada órgão ou ente executor identificar e formalizar existência de qualquer impedimento de ordem técnica, sob pena de responsabilidade”, tem-se de volta a possibilidade de o Executivo decidir qual emenda ele vai ou não realizar, instituindo a retomada do “toma lá, dá cá”.
O país precisa avançar e não retroceder. Com a LDO deste ano, foi implementado um cronograma de execução de emendas que impediu que o governo influenciasse os resultados eleitorais, promovendo uma eleição mais justa, além de aproximar o parlamentar de seu município – o que se refletiu no alto índice de reeleição de prefeitos este ano.
O próximo passo nessa trajetória de melhoria é envolver o parlamentar cada vez mais no processo de formulação das políticas públicas, especialmente por meio das comissões temáticas e pelo trabalho coordenado das bancadas estaduais. Aprovar a PLP 175, portanto, é frustrar esse movimento, devolvendo deputados e senadores ao mero papel de carimbadores de iniciativas do Executivo.
Este é um retrocesso que os cidadãos brasileiros não podem permitir, sob risco de interrompermos a evolução do Poder Legislativo, que tanto tem servido ao país na década iniciada pela aprovação do primeiro orçamento verdadeiramente impositivo, em 2014.
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