A última versão do relatório final da CPI da Covid, apresentado no Senado na manhã desta quarta-feira (20), apontou Jair Bolsonaro (sem partido) como um dos principais responsáveis pelos desdobramentos da pandemia no Brasil. Foram atribuídos 9 crimes ao presidente da República, dois a menos que a versão inicial apresentada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL).
O texto foi alterado depois de desacordos entre Calheiros e membros do G7, grupo majoritário de senadores na comissão. Entre as principais mudanças, está a retirada dos crimes de genocídio contra a população indígena e homicídio qualificado no decorrer da pandemia imputados a Bolsonaro na versão inicial do relatório, que foi vazada à imprensa.
Permanecem na lista crimes comuns, previstos no código penal brasileiro, e demais delitos a serem apurados pela comunidade internacional, como o Tribunal Penal Internacional. São eles:
- Crime de epidemia com resultado de morte;
- Charlatanismo;
- Prevaricação;
- Infração a medidas sanitárias preventivas;
- Emprego irregular de verba pública;
- Incitação ao crime;
- Falsificação de documentos particulares;
- Crime de Responsabilidade;
- Crimes contra a humanidade.
Crime de epidemia com resultado de morte
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Para aplicar o crime, o relatório se baseou no entendimento de que não é necessário somente iniciar a crise, mas também atuar para o agravamento dela. Conclui-se, então, que “’causar epidemia’ significa não apenas dar origem a uma determinada epidemia, mas também agravar, de modo significativamente relevante, seu resultado”.
Essa interpretação foi apontada em parecer de um grupo de juristas, liderados por Miguel Reale Junior, ex-ministro da Justiça do governo FHC e auxiliar jurídico da CPI.
Charlatanismo
Trata-se do crime de explorar da credulidade pública, inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível. Foi atribuído a Bolsonaro por fazer propaganda de medicamentos do “kit covid”, com ineficácia comprovada.
O relatório cita a fala do presidente, em outubro de 2020, quando disse que “no Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, 100% de cura”.
Para a comissão, as práticas de Bolsonaro adquirem “especial gravidade, haja vista que encontra um ambiente em que as vítimas estão na busca desesperada de cura e portanto, se encontram em situação de maior fragilidade”.
Prevaricação
É o crime atribuído a funcionários públicos que atuam para retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente o ofício, com a finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Segundo a CPI, Bolsonaro deve ser indiciado pelo crime por não acionar os órgãos de investigação quando soube das suspeitas de irregularidades na negociação da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde, denunciadas ao presidente pelos irmãos Miranda em março de 2020.
Infração a medidas sanitárias preventivas
Foi concluído que as frequentes incitações contra o uso de máscaras e a promoção de aglomerações seriam enquadradas no crime, que precisa estar ligada a infração de outras determinações para ser válida. Assim, foram citados no relatório as vezes que Bolsonaro desrespeitou leis e decretos ao promover eventos públicos país afora.
Emprego irregular de verba pública
A destinação de recursos públicos para a compra de medicamentos sem eficácia comprovada, como a hidroxicloroquina e cloroquina, pela União foi entendida como aplicação irregular.
O relatório esclarece que de início a busca por uma cura contra a covid-19 poderia sim se sobrepor à obediência à lei, mas aponta que Bolsonaro, junto do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, deram continuidade ao emprego da verba mesmo depois que provado cientificamente a ineficácia dos remédios contra a doença.
Incitação ao crime
A comissão aponta os estímulos feitos pelo chefe do Planalto para a população se aglomerar, não usar máscaras e não se vacinar.
Segundo o texto, Bolsonaro estaria incitando a população a infringir determinação do poder público, que no momento tentava impedir a disseminação de doença contagiosa, tipificado como crime no artigo 268 do Código Penal.
O relatório cita o episódio em que o presidente incentivou apoiadores a “invadirem hospitais e filmarem para mostrar leitos vazios” durante live, colocando as pessoas em risco de vida.
Falsificação de documentos particulares
Bolsonaro se baseou em suposto relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) para denunciar a supernotificação de mortes por coronavírus. Segundo o presidente, 50% dos óbitos haviam ocorrido por outras doenças. O órgão desmentiu as afirmações no mesmo dia.
“Não há dúvidas de que o Presidente Bolsonaro falsificou parte da análise feita pelo auditor Alexandre, nele incluindo o timbre do Tribunal de Contas da União”, apontou Calheiros.
Crime de Responsabilidade
Foram apontados a falta de coordenação política, a minimização da gravidade da pandemia, a criação de mecanismos ineficazes para tratamento da doença, a omissão e atraso na aquisição de vacinas.
Crimes contra a humanidade
Três pontos centrais foram citados: a crise de oxigênio em Manaus, a distribuição de medicamentos do “kit covid” a pacientes da rede Prevent Senior e a omissão e ataques feitos aos indígenas que resultou na morte de parcela da população. O ataque generalizado ou sistemático contra um determinado grupo da população civil configura crime contra a humanidade. Esse crime é julgado pela comunidade internacional.
Leia a íntegra do relatório: