Uma década após o início de sua implementação, a política de cotas raciais no serviço público precisa voltar à pauta no Congresso Nacional. Mais de 580 organizações que compõem o Movimento Negro e a sociedade civil organizada manifestam seu apoio ao PL 1958/2021, proposto pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que garante a continuidade e o aperfeiçoamento da lei que vigora desde 2014.
O projeto de lei aumenta de 20% para 30% a reserva de vagas no funcionalismo público para negros, indígenas e quilombolas, buscando reparar uma flagrante desigualdade que persiste até hoje: de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pretos e pardos ocupam apenas 35% dos cargos e atuam em menos de 30% das funções gerenciais, embora constituam 56% da população nacional.
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As entidades que assinam o manifesto consideram que o perfil dos servidores públicos federais deve refletir a realidade da sociedade brasileira e que a inclusão de indígenas e quilombolas entre os beneficiários da política é também fundamental. Recomendado pelo relatório final da Comissão de Juristas de Combate ao Racismo da Câmara dos Deputados, publicado em 2012, o aumento das vagas para 30% significa acelerar para 2047 o alcance de 50% do total de servidores negros na administração pública federal. É uma diferença de 13 anos em comparação ao percentual de 20%.
Uma pesquisa do Datafolha feita a pedido do Movimento Pessoas à Frente mostrou que 89% dos brasileiros concordam com a necessidade de ações para promover a diversidade no setor público. O levantamento também apontou que 71% dos entrevistados afirmam que mais representatividade contribuiria para aumentar a legitimidade e confiança no funcionalismo público, sendo que 90% e 82% acreditam que mais mulheres e mais diversidade racial, respectivamente, tornariam o serviço público melhor.
“A ação afirmativa, que eu prefiro chamar de ação compensatória, é um instrumento utilizado para promover a igualdade de oportunidades no emprego, na educação, no acesso à moradia e no mundo dos negócios. Por meio dela, o Estado, a universidade e as empresas podem não apenas remediar a discriminação passada e presente, mas também prevenir a discriminação futura, num esforço para chegar a uma sociedade inclusiva, aberta à participação igualitária de todos os cidadãos”, disse Abdias Nascimento, deputado federal que propôs o primeiro projeto para uma política nacional de cotas, em 1983, e que viria a ser o primeiro senador negro do país.
Vemos que o debate público sobre o tema tem avançado em ritmo lento e precisa ser aprofundado. Passados 136 anos após a abolição da escravatura no Brasil, a necessidade de reparação histórica é ainda visível e inegável, como mostram todos os dados estatísticos que refletem a disparidade de condições da população negra, que até hoje recebe salários menores, vive em sete de cada dez moradias consideradas inadequadas, é maioria nas funções domésticas e representa 84% do total de pessoas resgatadas de trabalhos análogos à escravidão.
Pretos e pardos ainda não conquistam nem a metade das vagas em universidades públicas e privadas. A baixa representatividade na política é mais uma evidência do desequilíbrio social em que vivemos, com apenas 22% das cadeiras do Senado Federal e 26% da Câmara dos Deputados ocupadas por estes que, na verdade, são a maioria estatística da população brasileira.
Avançar concretamente em direção à equidade étnico-racial é uma urgência, não uma opção. O PL 1958/2021 já foi aprovado pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados desde junho. Defendemos celeridade em sua apreciação e a integridade de seu conteúdo, em especial a manutenção do caráter racial das cotas no serviço público e o percentual de 30% de destinação de vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas.
Que este mês de novembro, no qual se convencionou celebrar a Consciência Negra no país, seja um momento oportuno para o avanço de matérias que deveriam estar na pauta dos parlamentares em todos os dias de seus mandatos, demonstrando real compromisso com a população brasileira.
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