Carol Dartora *
A Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, representa uma das maiores ações afirmativas da história do Brasil. Com a reserva de 20% das vagas para a população negra (pretos e pardos, segundo o IBGE) em concursos públicos federais por dez anos, essa lei deu um passo importante para a inclusão racial. Porém, uma década depois, percebemos que o desafio é maior: é necessário estender esse tempo, aumentar o percentual e incluir indígenas e quilombolas nas cotas.
É essa a proposta do Projeto de Lei 1958/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, sob minha relatoria, deputada federal Carol Dartora (PT-PR), na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. O PL busca reparar a exclusão histórica de povos que enfrentaram genocídio, escravização e marginalização, restituindo-lhes o direito à cidadania plena e à participação nos espaços de poder. Essas populações, por séculos, não foram vistas como sujeitas de direitos, sendo-lhes tiradas de oportunidades básicas como educação e saúde, o que, por consequência, as afastou do serviço público.
O projeto também visa fortalecer a aplicação das cotas, coibindo fraudes e garantindo que as políticas públicas sejam desenhadas e implementadas por um funcionalismo que reflita a diversidade do país. Um Brasil onde políticas sobre nós sejam feitas com a nossa participação. Portanto, o objetivo é assegurar que toda a população, especialmente os mais vulneráveis, possa se beneficiar de um serviço público diversificado e comprometido em entender, planejar e executar políticas que realmente impactem o dia a dia de todos, desde os que mais precisam até os que menos precisam.
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Você se vê representado nos servidores das unidades básicas de saúde, dos tribunais de Justiça, da Receita Federal ou até mesmo nas escolas públicas? A diversidade no serviço público não só melhora a representatividade, mas também amplia a eficiência das políticas. Uma pesquisa do Datafolha em 2023 mostrou que 56% dos brasileiros acreditam que o serviço público não reflete a diversidade da população, e 71% entendem que aumentar essa diversidade elevaria a legitimidade e a confiança nas instituições.
Portugal, por exemplo, já comprovou que a diversidade no serviço público melhora a qualidade do atendimento. Então, por que, com 56% de brasileiros negros, mais de 300 etnias indígenas e 7.666 comunidades quilombolas, essas pessoas ainda são minoria nos serviços públicos? O acesso ao serviço público, historicamente, é limitado por meio de concursos, e a exclusão secular dessas populações dos direitos básicos se reflete nos números.
PublicidadeQuando analisamos os cargos comissionados, 39,8% dos ocupantes dos níveis 1 a 12 eram negros em 2023, enquanto nos níveis 13 a 17 o percentual era de 30,5%. Porém, nos cargos de média e alta liderança, a presença de negros e indígenas ainda é baixa: mulheres negras e indígenas ocupam apenas 12,1% das posições de média liderança, e homens negros e indígenas, 20,3%. Em cargos de alta liderança, esses percentuais caem ainda mais, com 6,1% para mulheres negras e/ou indígenas e 19,01% para homens negros e/ou indígenas.
Já imaginou um auditor do trabalho indígena ou quilombola? Agora, pense em um STF verdadeiramente diverso, com seis mulheres e cinco homens, incluindo pessoas brancas, negras, indígenas e quilombolas. Essa é a diversidade que buscamos, e esse é o futuro que desejamos.
A inclusão de negros, indígenas e quilombolas no serviço público também combate desigualdades climáticas e o racismo ambiental. Essas populações são historicamente as mais afetadas pelas mudanças climáticas e desastres ambientais, como enchentes, secas e incêndios criminosos, mas também são as principais guardiãs de nossos biomas. Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, recentemente destacou que 50% dos brigadistas que combatem incêndios florestais são indígenas e 20% são quilombolas. Eles não apenas sofrem com os impactos das mudanças climáticas, mas são fundamentais na preservação ambiental.
O projeto de cotas no serviço público é essencial para garantir que essas vozes sejam ouvidas nas tomadas de decisões que afetam o país. Diversificar o serviço público, aldear e aquilombar as instituições é um passo crucial para construir um Brasil mais inclusivo, justo e capaz de enfrentar os desafios climáticos de forma eficaz. Afinal, somente com a diversidade entre os servidores públicos conseguiremos avançar no combate ao racismo ambiental e criar políticas públicas mais equitativas.
De acordo com o Censo do IBGE de 2022, 56% da população brasileira se autodeclara negra, 0,66% são quilombolas e 0,83% indígenas. No entanto, a representatividade dessas populações no serviço público ainda é limitada. Em 2013, segundo o Relatório de Servidores por Etnia (2024), pretos e pardos representavam 37,5% dos servidores públicos federais, número que cresceu para 40,2% em 2023, impulsionado pela Lei de Cotas.
Vamos juntos e juntas para construir um Brasil e uma política sobre nós, mas nunca sem nós.
* Carol Dartora (PT-PR) é a primeira deputada federal negra do Paraná e relatora do PL 1958/2021.
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