Após as buscas e apreensões realizadas na última quinta-feira (15) pela Polícia Federal em três endereços do senador Marcos do Val (Podemos-ES) por suspeita de obstrução de justiça, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas vem ganhando contornos não de tiro no pé da oposição, que inicialmente requisitou as investigações, mas de canhão voltado para o rosto dos apoiadores da extrema direita e do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O próprio ex-presidente deverá ser convocado pela CPMI – mas não agora. Esse é o entendimento de um dos principais líderes da base governista na comissão, o deputado Duarte (PSB-MA). Aos 36 anos, o advogado em primeiro mandato federal é um dos parlamentares mais próximos do ministro da Justiça, Flávio Dino. Segundo ele, Dino também deverá ser ouvido. Mas, assim como Bolsonaro, seu depoimento deverá ficar para a reta final das investigações.
“Ao que tudo indica, Bolsonaro será convocado, sim. Mas não faz sentido convocá-lo agora, assim como o Dino. Essas peças mais importantes demandam mais robustez para serem questionadas. Senão, é só munição de retórica para quem quer gravar vídeo de lacração para redes sociais”, disse Duarte nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
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A CPMI começa a tomar os depoimentos nesta terça-feira (20) com a presença de Silvinei Vasques. O ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) terá de explicar as blitze realizadas em rodovias federais do Nordeste, no dia da votação do 2º turno, em 30 de outubro de 2022. Na quinta-feira (22), é a vez de George Washington, responsável pelo caminhão-bomba deixado no aeroporto de Brasília no dia 24 de janeiro, ser questionado pelos parlamentares.
Isto é, as tentativas de emplacar as convocações do General Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e de Dino, bem como parte dos pedidos de documentos e imagens requeridos, não serão atendidas conforme a vontade da oposição, que visa criar uma narrativa de omissão e de responsabilidade do governo pelo 8 de janeiro. Segundo Duarte, toda a cronologia das investigações será analisada pela comissão com o objetivo claro de mostrar a premeditação e articulação intelectual da tentativa de golpe por Jair Bolsonaro e nomes como General Heleno, General Braga Neto e o tenente-coronel Mauro Cid.
Veja a íntegra da entrevista:
PublicidadeCongresso em Foco – A oposição insiste em começar as oitivas por ministros e generais, mas o governo segue sentido contrário. Por quê?
Duarte – Os requerimentos que a oposição faz não encontram lógica em uma investigação. Quando você começa uma investigação é preciso começar pelo início. Justiça seja feita, até o [senador] Sergio Moro [União-PR] pediu que os depoimentos de pessoas mais importantes ficassem para o final. Não há porque chamar o [ministro da Justiça] Flávio Dino ou [interventor do dia 8 de janeiro] Ricardo Capelli [agora]. Dino já veio ao Congresso cinco ou seis vezes nos últimos meses e Ricardo Cappelli [secretário-executivo do Ministério da Justiça] deixou um relatório que desenha de forma colorida o que aconteceu no dia da tentativa de golpe.
Primeiro, chama-se quem ainda não veio e os que estavam no poder quando os atos foram praticados porque o dia 8 de janeiro começou muito antes daquele domingo. Não foi de repente. Houve o resultado pós-segundo turno, com a insatisfação [de manifestantes bolsonaristas], teve o dia 12, com a tentativa de gerar caos nacional na capital porque Brasília traz visibilidade, em que tentaram invadir a sede da Polícia Federal para mostrar ao país que estavam tomando o poder para tentar fundamentar uma intervenção militar.
Os requerimentos [da ala governista] têm essa lógica temporal para chegar ao dia 8. Então, eles [oposição] não têm maioria. Mostramos na última sessão [13] que o que for pautado a gente vai aprovar ou rejeitar conforme nossa fundamentação. Não resta a eles alternativa a não ser tumultuar.
A oposição bate muito na tecla do sequestro da CPMI pelo governo e que a relatora, Eliziane Gama, é amiga de Dino.
Eles apresentam um requerimento de CPMI [com assinatura coletas pelo deputado André Fernandes, PL-CE, investigado por incitar o golpe pela PF]. É aprovado. Acham que vão conseguir pela lógica do regimento ocupar a CPMI só com membros da oposição. Os partidos é que indicam os membros [do colegiado misto]. Há oposição e situação nos partidos. Essa composição, claro, acabou ficando com a maioria de personagens – deputados e senadores – da base do governo por uma questão de o governo ter maioria na Casa. Não é ilegal. É a regra do jogo. A investigação é política, feita pela Câmara e Senado. Essa suspeita da senadora Eliziane não tem fundamento na lei. Se você abrir o Código do Processo Penal, que é o que rege uma CPMI, não há nada que proíba alguém do mesmo estado ou que seja amigo do ministro da Justiça. Até porque o ministro sequer é investigado.
O que gera a suspeição é a presença do André Fernandes porque ele é investigado. Ser conterrâneo e ter amizade não é nada perto de quem é filho do ex-presidente Bolsonaro, como seus filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro [ambos suplentes na CPMI]. O relatório da Eliziane vai ser apresentado para ser votado ainda por cima. Não há lógica em tirar a credibilidade dela, mas sabemos qual será o resultado. A analogia que faço em relação à tentativa da oposição é horrível, mas cabe ao caso.
É como um sujeito que estupra uma vítima e alega como forma de defesa que a vítima estava de saia curta ou com um decote. A culpa é do Lula, do Flávio Dino ou de um presidente que ficou quatro anos falando contra o Supremo Tribunal Federal, em fechar o Congresso e que pregava contra as urnas eletrônicas? Foi o Bolsonaro quem criou essa narrativa e que tinha poder simbólico para induzir pessoas a se comportarem daquela forma [no dia 8], com sensação de impunidade ao agredir instituições públicas, invadindo a Praça dos Três Poderes. Foi o Bolsonaro e o bolsonarismo.
Há evidências de que ele incentivou os seus a agirem daquela forma, que são planos de generais formados na academia das Agulhas Negras, no Rio, sob a égide do regime militar, General Heleno, Braga Neto, Mauro Cid, Pazuello e Mourão. Todos se formaram naquela época. Eles têm postura ditatorial e ânimo para impregnar seus pensamentos à força porque estudaram e foram ensinados a se comportarem daquela forma. Se o cara tem cheiro de ditador, é formado na escola da época da ditadura, faz discurso de ditador, ocorre um ato dessa magnitude e ele quer culpar outro?
A oposição bate muito na tecla da existência de um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) como aviso de que a Praça dos Três Poderes correria perigo no dia 8 de janeiro.
O relatório da Abin que eles mencionam veio de um grupo de Whatsapp como se fosse aqueles de família. Aquele grupo em que mandam bom dia, figurinha e GIF. É isso. Nesse grupo havia duas pessoas que faziam parte do Ministério da Justiça, que eram pessoas nomeadas pelo Anderson Torres [ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal preso pela Polícia Federal e escalado para depor na CPMI]. Na primeira semana do ano, não houve qualquer transição ou substituição [de agentes da inteligência]. Ninguém avisou o atual ministro [Dino] que a segurança era feita num grupo de Whatsapp. Quem em sã consciência imagina que a inteligência de segurança do país está no Whatsapp? A informação vinda de meios formais não aconteceu. O que aconteceu de formal veio já no entardecer, quando o governador do DF [Ibaneis Rocha] pediu a Força Nacional, que só pode agir mediante solicitação, para intervir. Cabe ao DF fazer a segurança [da Praça dos Três Poderes] e não à Polícia Federal.
E uma oitiva com General Gonçalves Dias? Seria um ponto vulnerável para o governo?
Sinceramente, não. Porque partindo do pressuposto de que ele está errado ao agir como agiu e tenha falhado, o governo foi cúmplice? Lula ou Dino foram cúmplices da situação? Pelas provas que temos, creio que não. É preciso investigar porque ele falhou. As imagens que vi, veiculadas na TV, o mostram tentando fechar portas entre pessoas de verde e amarelo. Ele não poderia revidar e prender todos ali até porque é um senhor de idade. Ele é general e não o Rambo. Não o estou defendendo, mas ele vai ser convocado, vai ter a oportunidade de prestar os esclarecimentos dele, mas não pode ocorrer o que houve na Comissão de Segurança Pública quando ele não veio porque disse estar doente. Tem que fazer como o Dino, que comparece. Quem defende a verdade, quem está com base na lei, não tem o que temer.
A CPMI pode incentivar delações premiadas? Bolsonaro será convocado?
Com certeza. Essa é diferença da investigação feita aqui para a do STF. É uma arena pública em que a imprensa fica sabendo das coisas. O Brasil está vendo de fato, e não é todo mundo que aguenta essa pressão. Ao que tudo indica, Bolsonaro será convocado, sim. Mas não faz sentido convocá-lo agora, assim como o Dino. Essas peças mais importantes demandam mais robustez para serem questionadas. Senão, é só munição de retórica para quem quer gravar vídeo de lacração para redes sociais.
O senhor fez mais de 50 requerimentos e 14 deles foram pautados. Um deles pedia informações das big techs.
A maioria são requerimentos de informação. Queremos terminar rápido a CPMI, queremos investigar e punir porque a sensação de impunidade reina. Quem veio para o quebra-quebra veio se filmando e fazendo live. Acharam que nada ia acontecer. Temos que punir quem planejou, mobilizou, ajudou em acampamentos e os financiou. Provas emprestadas são importantes porque evitam perda de tempo.
Ninguém deu atenção para as big techs. Facebook, Twitter, Instagram, Tik Tok, Youtube, Google serviram de plataforma para transmissões ao vivo do que aconteceu em canais que tiveram milhares de visualizações e monetizaram em cima disso. Por que ninguém está olhando para isso? Estou dedicado a analisar a força e a mobilização das redes, o convite, a organização de grupos. As informações das big techs podem auxiliar nas investigações. Até o momento não fiz contato com todas, mas a Meta se mostrou favorável a ajudar e prestar informações, mas tem que ser oficialmente protocolado na CPMI por questões de privacidade de dados.
A situação vai pedir quebra do sigilo na investigação que o STF conduz sobre o dia 8 de janeiro?
Não é razoável ter acesso a essas informações agora. A CPMI tem poder de quebra de sigilo fiscal, documental, bancário, só que isso traz responsabilidades. Por isso, a postura de Arthur Maia [presidente da CPMI] está sendo muito correta de ir conversar com o ministro Alexandre de Moraes [que conduz a investigação no STF] para tratar dos requerimentos que pedem para a investigação para ser somada à Comissão. Na hora que sair na CPMI todo mundo vai saber. O problema é que possíveis investigados no inquérito também vão ficar sabendo e por isso há sigilo na investigação.