Em comemoração aos 200 anos da Independência, o Congresso Nacional promoveu, nesta quinta-feira (8), uma sessão solene. O evento constava na agenda do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas ele não compareceu e o evento não consta mais em sua agenda. Durante seu discurso, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), falou em respeito à democracia.
A sessão do Congresso Nacional em homenagem ao bicentenário tem como requerentes parlamentares de oposição, dentre os quais um dos coordenadores da campanha de Lula (PT) para a Presidência da República, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A sessão teve início às 10h.
Além do presidente Bolsonaro, foram convidados os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo, e de Moçambique, Filipe Nyusi; além de chefes de Estado de ex-colônias portuguesas e ex-presidentes do Brasil, do Senado e da Câmara de Deputados.
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Na quarta (7), o Brasil comemorou os 200 anos que marcam a proclamação da independência, ocorrida em 1822. Em Brasília, um desfile celebrou a data. Apesar do grande público – a Polícia Militar do Distrito Federal não divulgou números, mas estima-se que 280 mil pessoas estiveram presentes – autoridades dos poderes Legislativo e Judiciário esquivaram-se de participar. Em lugar delas, o empresário Luciano Hang, alvo de investigação por defender intervenção militar, ocupou lugar de destaque ao lado do presidente Bolsonaro.
Em seu discurso,Pacheco destacou a necessidade de se respeitar a democracia e de se aprimorar o país para acabar com as desigualdades. “Embora muito tenhamos avançado, o caminho para o amplo desenvolvimento ainda é longo. Uma radiografia das condições econômicas, políticas e sociais aponta um quadro ainda precário, exigindo, de todos, esforços para uma melhora significativa do Estado brasileiro”, discursou.
Após a fala de Pacheco, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), discursou e afirmou que era necessário refletir sobre “a nação que construímos nos últimos 200 anos” e exaltou a participação do Legislativo no processo de Independência do Brasil.
“O Bicentenário da Independência brasileira coincide com o ano de eleições presidenciais e de eleições legislativas federais, distrital e estaduais. Destaco, portanto, a chance de os cidadãos brasileiros, por meio do seu voto consciente, fortalecerem nossa democracia e este Parlamento, de modo que ele continue a exercer a importante tarefa de acolher diferentes aspirações e transformá-las em balizas coletivas. Diretrizes que beneficiem toda a sociedade de modo justo e equânime e contribuam para o desenvolvimento deste País”, afirmou.
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux também defendeu a democracia e ressaltou que os 200 anos da Independência resultaram no avanço civilizatório das instituições democráticas e “que não admitem retrocesso”.
“Um Brasil independente pressupõe uma magistratura independente e um regime político que todos os cidadãos gozem de igualdades, chances e usufruam de todas as liberdades constitucionais e os poderes se restrinjam no seu exercício em nome do povo e para o povo brasileiro”, discursou.
O último discurso foi feito pelo presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. O presidente lusitano agradeceu ao Brasil pela proclamação da Independência e afirmou que Portugal sente “orgulho” do país pela sua liberdade, justiça e democracia. “Agradeço-vos, a todas e a todos os brasileiros, o emocionante orgulho que sentimos em qualquer ponto do mundo ao festejarmos os vossos sucessos, ao contemplarmos as vossas ousadias, ao partilharmos os vossos sonhos de mais e melhor, a vossa capacidade de nunca desistir, de nunca resignar, de nunca tomar por perfeito o que está por cumprir”, discursou.
“Nós portugueses amamos profundamente no Brasil e em vós brasileiros essa alma eliante, indomável, tenazmente obstinada que vos faz diferentes, que vos faz irrepetíveis na humanidade”, destacou o presidente de Portugal.
Ex-presidentes não comparecem
Participaram da sessão os ex-presidente José Sarney e Michel Temer. Os ex-presidentes Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso foram convidados para a sessão, mas informaram com antecedência que não poderiam comparecer ao evento. Em mensagem enviada a Pacheco, Dilma afirmou que “o Feriado Nacional de 7 de Setembro é uma data de orgulho e celebração histórica do nosso povo e a formação da nossa Nação. Este ano, as comemorações tiveram uma característica única, que marca de maneira indelével e vergonhosa o calendário”.
“Desafortunadamente, o Brasil assistiu ao chefe de Estado sequestrar a data histórica que é de todo o povo em benefício de sua própria candidatura eleitoral, desafiando as leis e ignorando o rito sagrado da função institucional de quem está no comando do País. É grave o que assistimos ontem. Uma afronta à democracia, um desrespeito aos brasileiros. Mas, ainda é pior. A Autoridade Máxima da Nação fez isso de maneira desabrida e sem compromisso com o Estado Democrático de Direito, que jurou honrar e respeitar ao ser empossado presidente da República”, destacou Dilma.
A ex-presidente pede que “as autoridades institucionais reajam a mais essa afronta do Presidente da República” e que o Senado “permaneça atento” na reta final da campanha eleitoral.
Pacheco evita atribuir motivos para ausência de Bolsonaro
Em entrevista coletiva após a sessão, Rodrigo Pacheco destacou que ainda não sabia a motivação para a ausência do presidente Jair Bolsonaro. O presidente do Senado afirmou que não recebeu uma justificativa oficial da Presidência da República e evitou fazer qualquer julgamento sobre o não comparecimento do presidente.
Pacheco também justificou sua ausência no desfile cívico do 7 de setembro, destacando que teve “receio” por “falta de clareza” entre o evento cívico e o evento político. “Eu considero que há dois momentos do 7 de setembro de ontem: o desfile cívico que é a solenidade que se celebra o bicentenário da Independência e os desdobramentos que têm um cunho naturalmente político-eleitoral em torno do presidente da República. Como não havia uma clareza de minha parte do que era um momento e o que era o outro, a minha preferência foi não participar para não externar nenhuma manifestação de cunho político-eleitoral”, afirmou o senador.
O presidente do Senado também destacou que “considerava que os três poderes fossem comemorar o bicentenário na sessão solene de hoje”.
Confira a íntegra do discurso de Rodrigo Pacheco:
“Senhoras Deputadas, Senhores Deputados, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, demais autoridades presentes,
Celebramos hoje o bicentenário de nossa Independência, um dos eventos cívicos de maior significado político da nossa ainda jovem e promissora nação.
Sem dúvida, o enredo que culminou no Grito do Ipiranga é digno de orgulho para todo o País. Sua simbologia desperta algo de muito valioso em nosso espírito coletivo.
De uma história de dominação e de uma condição de dependência, passamos ao patamar de igualdade e de respeito em relação às demais nações soberanas, e ganhamos identidade própria e relevante. Passamos a decidir, enquanto povo brasileiro, como governar nosso país de modo autônomo, sem interferência externa.
Mas a Independência não é o ponto de partida nem a linha de chegada da mudança social. Marca o reconhecimento da luta popular como prioritária ao Estado e à sociedade. Com a conquista da liberdade, sucessivos movimentos de aprimoramento político-institucional foram realizados, da monarquia à atual estabilização do regime republicano num Estado Democrático de Direito.
No Poder Legislativo, essa trajetória marcou-se pela tendência de expansão e consolidação de prerrogativas cidadãs.
Parte dessa história poderá ser revivida no Salão Negro deste Palácio do Congresso Nacional. Inaugura-se hoje a exposição 200 Anos de Cidadania: o Povo e o Parlamento, organizada em conjunto pelo Museu do Senado e pelo Centro Cultural da Câmara dos Deputados.
Como a exposição retrata, o bicentenário do País assistiu a uma caminhada constante do povo brasileiro na direção de uma verdadeira “Era dos Direitos”, na feliz expressão do jurista Norberto Bobbio, com a busca pela concretização de ideais de emancipação política, direitos civis e políticos direitos sociais e direitos coletivos, culminando na Constituição de 1988 como grande marco da estabilidade e progresso da democracia brasileira.
O caminho até aqui – cheio de percalços – não foi fácil, inclusive com períodos marcados pela obscuridade dos odiosos regimes autoritários e repressivos.
Entretanto, com a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, símbolo máximo de nossa redemocratização, a nossa história deu uma guinada definitiva no sentido da liberdade e da democracia.
Seus fundamentos, fortalecidos por meio do reconhecimento legítimo dos brasileiros aos Poderes constituídos, serviram e servirão para enfrentarmos alegóricos retrocessos antidemocráticos e eventuais ataques ao Estado de Direito e à democracia. Isso é irrefutável, isso é irreversível.
Senhoras e Senhores,
Embora muito tenhamos avançado, o caminho para o amplo desenvolvimento ainda é longo. Uma radiografia das condições econômicas, políticas e sociais aponta um quadro ainda precário, exigindo, de todos, esforços para uma melhora significativa do Estado brasileiro.
Diante disso, precisamos analisar o que falhou e, mais importante, o que podemos fazer para mudar esse cenário. Isso só é possível com planejamento, muito trabalho, senso público e o otimismo que deve marcar nossas ações.
E trata-se de um compromisso inalienável do Congresso Nacional: o de promover transformações cruciais para desatarmos os nós estruturais de nossa sociedade.
O ânimo que emana do 7 de setembro deve inspirar nosso trabalho de maneira permanente.
A precariedade social do Brasil não é só um problema de quem vive essa realidade. É um problema do Estado, é um problema da sociedade, é um problema de todos. A permanência desses problemas no nosso cotidiano reforça a importância de medidas que viabilizem o desenvolvimento econômico e social do País.
É fundamental que tenhamos um projeto nacional que possibilite um efetivo desenvolvimento social e econômico. Um projeto que conduza a um aproveitamento planejado, racional e sustentável das riquezas e potenciais do País. Um projeto que culmine na verdadeira melhoria das condições de vida da população.
Igualmente, é fundamental que esse projeto siga e aprofunde os princípios republicanos e democráticos.
Eu gostaria, nesse contexto, de sublinhar a relevância dos laços de amizade fraterna que hoje em dia temos com Portugal.
O bicentenário da Independência comemora o evento da ruptura com a antiga metrópole. Com o passar dos anos, no entanto, a República Portuguesa se tornou uma parceira estratégica importantíssima, como demonstra a multiplicidade de relações comerciais, investimentos e acordos de cooperação entre o Brasil e Portugal.
A presença, nesta Sessão Solene, do presidente da República Portuguesa, senhor Marcelo Rebelo, e do presidente da Assembleia da República, senhor Augusto Santos Silva, confirma a natureza igualitária e republicana dessas relações.
Senhoras e Senhores,
Vivemos recentemente alguns dos anos mais tormentosos da nossa história, com a emergência de saúde pública do coronavírus, a guerra na Europa e a crise econômica que se seguiu.
Mas, em meio à tragédia da pandemia, demonstramos nosso potencial e nossa força. A campanha de vacinação mobilizou a sociedade. O Sistema Único de Saúde, com todos os desafios que enfrenta num país continental, foi, em larga medida, bem-sucedido. O espírito de cidadania do povo brasileiro segue vigoroso.
Nós, congressistas, devemos nos inspirar nesse exemplo. Promover a harmonização política. Aprimorar o modelo econômico, fazendo reformas que visem à prosperidade dos cidadãos. Almejar a fraternidade e a solidariedade social.
Lembro que daqui a menos de um mês os brasileiros e brasileiras vão às urnas praticar o exercício cívico de votar em seus representantes. E o amplo direito de voto – a arma mais importante em uma democracia – não pode ser exercido com desrespeito, em meio ao discurso de ódio, com violência ou intolerância em face dos desiguais.
Por isso, sigamos as palavras de José Bonifácio, o Patriarca da Independência. Como escreveu o Andrada no seu livro “Projetos para o Brasil”, busquemos a “sã política, causa a mais nobre e santa, que pode animar corações generosos e humanos”.
Honremos, enfim, a coragem, o patriotismo e o espírito cívico que moveram Dom Pedro I a proferir o célebre Grito do Ipiranga!
É o que desejo para os próximos anos. Muito obrigado!”
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