Vinicius do Valle *
O início de fevereiro trouxe o início dos trabalhos da nova legislatura do Congresso Nacional, e com ela também os embates e confusões entre a bancada evangélica, que pelas contas do seu atual presidente, o deputado Sóstenes Cavalcante, contará com 132 deputados e 14 senadores – levando em conta que, entre eles, há evangélicos e simpatizantes conservadores do bloco. Pela primeira vez, não houve entre esse grupo um acordo para a escolha do seu líder. Como consequência, no dia 2 de fevereiro, houve uma tentativa de votação com essa tarefa. No entanto, o evento ficou só na tentativa: após uma série de mal-entendidos, incluindo problemas de inscrição e contabilidade dos votos, a eleição foi anulada.
Por trás da confusão há mais que embates e vaidades pessoais. Em jogo está também a linha política que será a tônica da bancada. De forma geral, a disputa se dá entre a linha que defende uma aproximação estratégica com o governo Lula, capaz de facilitar o trânsito do grupo com o governo, e aquela que defende um exercício de oposição mais contundente.
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Nesse ponto, a bancada evangélica reflete dilemas da base social que representa. Há uma série de igrejas e pastores que gostariam de ter maior influência e diálogo com o novo governo. Também há, por outro lado, aqueles líderes que continuam contaminados pelo discurso bolsonarista de que o PT seria uma “força do mal a ser vencida”, e inclusive atuam como amplificadores dos devaneios golpistas que ainda circulam entre o bolsonarismo radical. Em outras palavras, se tornaram eles mesmos extremistas. Entre essas duas posições, estão uma extensa gama de pastores que adorariam estar mais próximos do governo, mas manifestam o contrário, constrangidos pelos seus próprios fiéis para não mudarem radicalmente de posição em relação ao PT e à esquerda.
A adesão ao bolsonarismo cobrou um preço aos evangélicos que ainda não foi devidamente contabilizado. Ao transformarem igrejas em bases para discursos extremistas, pastores radicalizaram parte dos seus fiéis. Tal situação, enquanto Bolsonaro era presidente, não causou problemas imediatos. Agora que os ventos mudaram, no entanto, muitos desses mesmos pastores não podem, com o pragmatismo usual, simplesmente mudar de posicionamento. Pelo menos não de forma discreta e sem gerar ruídos.
De cima a baixo, a situação constrangedora que líderes evangélicos se encontram deveria servir para gerar reflexões e autocríticas sobre sua atuação política no último período. Tal atitude, no entanto, requer uma maturidade que não parece estar presente no meio.
Publicidade* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de dez anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). Atualmente, atua na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e em outras instituições, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos, além de realizar pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).
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