Acostumamo-nos a reclamar do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), responsabilizando-o por todas as mazelas brasileiras desde que passou a conduzir os trabalhos da Câmara dos Deputados. Em breve, precisaremos achar outro espantalho.
Como o próprio Lira gosta de dizer, ele é “do acordo” – o que significa passar por cima do regimento sem pudores, quando isso é conveniente e há respaldo de lideranças em quantidade suficiente para que a decisão seja sustentada em Plenário.
Mas é essa mesma característica que reduz sua culpa, uma vez que seu poder é apenas uma derivada do cartel que tomou as rédeas do processo legislativo na última década. Entenda, não estou aqui cumprindo o papel de defensor do nobre deputado, apenas discutindo se, na sua ausência, estaríamos tão melhores assim. E temo que a resposta decepcione o leitor que se acostumou a vociferar contra Lira.
Ainda vamos batizar adequadamente o coquetel resultante de uma década em que a Presidência da República se enfraqueceu, o orçamento ficou ainda mais rígido e, na parcela restante em que há espaço para fazer gastos discricionários, o Legislativo passou a predominar com as emendas ao orçamento.
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Mas o progressivo fortalecimento do Legislativo ocorreu paralelamente à redução do número efetivo de partidos na Câmara dos Deputados e do aumento de recursos disponíveis a esses mesmos partidos, por meio dos fundos partidário e eleitoral.
Os partidos que saíram vencedores das reformas eleitorais da última década passaram a contar com mais recursos próprios e – portanto – mais autonomia, o que diminui a importância do controle de ministérios – cujos gastos estão também, cada vez mais, amarrados a obrigações constitucionais de destinação de recursos.
A cadeira da presidência da Câmara dos Deputados, desde o processo de Impeachment, passou a ser mais poderosa justamente por estar a serviço deste cartel legislativo, dando direção e sentido ao arranjo majoritário cujos interesses passam ao largo da propalada polarização eleitoral.
É uma relação simbiótica com a força política que possuem; precisam da presidência da Câmara para coordená-los, uma vez que sozinhos não possuem poder algum. Por isso tanta discussão sobre quem sucederá a Lira.
O tradicional qualunquismo, contudo, fazia este mesmo grupo de partidos ter incentivos para aderir a qualquer Governo de ocasião, a fim de garantir os recursos necessários para maximizar votos e as políticas públicas que desejam (sim, eles também querem policy e não usam black tie).
Com os fundos, o maior volume de emendas e o controle do Plenário da Câmara, a indiferença ao Governo de ocasião ganha novos contornos. Qual seria o pacote suficiente para satisfazer o grupo que – legitimamente – detém a maioria no processo legislativo?
O que impediria esse mesmo grupo de terminar o serviço e tomar para si as rédeas do Executivo, mudando a forma do sistema político? A grande resposta talvez esteja na responsabilização que resulta da chefia do governo.
Enquanto for possível governar sem pagar o custo pelos infortúnios, haverá incentivo para dividir o sucesso e sustentar a Presidência da República. Mas até quando? Talvez o sucessor de Lira nos responda.
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