Aprovado ontem (10) na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara, o projeto de lei relatado pelo deputado Pastor Eurico (PL-PE) que impede o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo ainda mobiliza parlamentares progressistas e movimentos de defesa da população LGBTQIA+. Deputados governistas apostam suas fichas na Comissão de Direitos Humanos para impedir o avanço da proposta.
“Queremos reverter o sentido desse parecer. Esse é o nosso objetivo, não há outro caminho”, explicou o deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), vice-líder do governo na Câmara e membro das duas comissões. A esperança do bloco é que a aprovação de um projeto de lei que formalize casamentos homoafetivos, como previa a versão original da proposta, em vez de proibi-los, permitiria enterrar de vez essa discussão. “Desta vez, nós temos uma maioria, mesmo que na ponta do lápis”, ressaltou o deputado, ao comparar as composições dos dois colegiados.
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O projeto original foi apresentado em 2007 pelo então deputado Clodovil Hernandes (SP). O estilista foi o primeiro gay assumido a se eleger para a Câmara. Embora não fosse um militante da causa, Clodovil propôs o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A proposta, no entanto, foi alterada radicalmente pelo relator, que inverteu o seu objetivo, ao proibir expressamente a união civil homoafetiva.
A Mesa Diretora da Comissão de Direitos Humanos é formada inteiramente por parlamentares progressistas, incluindo Erika Hilton (Psol-SP) e Daiana Santos (PCdoB-RS), que são LGBTQIA+. Essa formação permite outro caminho mais fácil, que é o de engavetar o projeto, postergando sua votação. Essa possibilidade, porém, preocupa parlamentares pró-casamento homoafetivo, que temem que algum deputado conservador assuma o comando da comissão nos próximos anos. Na Câmara, a presidência das comissões é trocada a cada início de ano.
Erika Hilton, que ocupa a segunda vice-presidência da CDH afirma que a possibilidade de engavetamento do projeto não está descartada, mas defende a estratégia de inversão da lógica do relatório. “Se virmos que o projeto pode ser enterrado no voto, às vezes é bom. Isso passa um recado para a sociedade, mostra que a democracia se mantém de pé, e que a Câmara não é esse curral do fascismo e do ódio antidemocrático”, declarou.
A deputada também planeja se reunir com os líderes dos partidos que compõem a comissão para conseguir definir uma estratégia conjunta, e cogita conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Estive em lideranças que estiveram com Lira, e afirmaram que o presidente assegurou que essa proposição não tem condições de passar. Mas eu mesma não ouvi da boca do presidente. Por isso, marcarei uma reunião para ele nos garantir qual é a posição da Mesa Diretora e qual é a posição de seu partido”, conta Erika.
Em um cenário mais extremo, em eventual aprovação do projeto, Pastor Henrique Vieira considera a possibilidade de judicialização. “Existe um vício completo de constitucionalidade, porque diz respeito a algo que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como exercício de princípios constitucionais: igualdade jurídica, pluralismo como valor sociopolítico e cultural, promoção da dignidade humana, direito à privacidade e a própria ideia de democracia e laicidade”, relembrou.
Inconstitucionalidade
A proposta aprovada pelos deputados é considerada inconstitucional e discriminatória por um parecer da Comissão Nacional da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional. O documento é subscrito pela Comissão Nacional de Direitos Humanos e por 25 comissões estaduais da diversidade. O texto ainda será submetido ao pleno do conselho federal.
“Não é razoável a proibição que referido projeto quer instituir, por ser segregacionista pretender que toda a parcela de uma população seja proibida de exercer o direito ao casamento civil em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero. E nem se diga que não haveria discriminação porque pessoas LGB+ poderiam se casar com pessoa do outro sexo ou gênero como incrivelmente se alega por vezes, porque o que se discute é a discriminação que existe a pessoa que deseja se casar civilmente com pessoa do mesmo sexo e é impedida de fazê-lo”, diz trecho do texto.
Casamentos civis homoafetivos são regulamentados no Brasil há dez anos. O relator do projeto, deputado Pastor Eurico (PL-PE), alega que a Constituição reconhece como entidade familiar a união estável entre um homem e uma mulher. A justificativa é refutada pelas comissões da OAB com base em decisões dos tribunais superiores sobre o assunto.
“Ocorre que esse argumento já foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal, quando julgou procedentes a ADPF 132 e a ADI 4277, quando reconheceu que a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo constitui família conjugal e união estável constitucionalmente protegida, em ‘reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva’ segundo a parte dispositiva da decisão. Que tem ‘força de lei’, ante o efeito vinculante e a eficácia erga omnes que a Constituição impõe às decisões de ações de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade”, diz a Ordem.