A CPI da Covid conluiu, nesta quarta (20) a leitura do relatório final que deve ser votado na próxima terça (26). Elaborado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), o documento sofreu mudanças, após ter trechos vazados, o que gerou divergência entre os integrantes do chamado G7, grupo majoritário da CPI. As principais delas têm relação com os tipos penais listados para pedir o indiciamento do presidente Bolsonaro. O genocídio contra indígenas foi substituído por crime contra a humanidade e o crime de homicídio foi removido.
Por fim, no lugar de 11 tipificações de crime que a CPI acusa o presidente de ter cometido, o relatório indica nove. São eles
- Crime de epidemia com resultado de morte
- Crime de infração a medidas sanitárias preventivas
- Crime de emprego irregular de verba pública
- Crime de incitação ao crime
- Crime de falsificação de documentos particulares
- Crime de charlatanismo
- Crime de prevaricação
- Crime contra a humanidade
- Crime de responsabilidade
As conclusões serão enviadas a diversos órgãos, como o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República, a Câmara e o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda.
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Confira a íntegra do documento:
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Na reunião desta quarta também foram ser lidos os relatórios paralelos dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), do G7, e dos governistas Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Os três últimos tentavam o governo federal de responsabilidade pelas mais de 600 mil mortes por covid-19 no Brasil.
Racha e pacificação
Após reunião realizada ontem à noite pelo G7, Renan retirou um dos pontos mais polêmicos da primeira versão de seu relatório, os pedidos de indiciamento de Bolsonaro por homicídio e genocídio contra indígenas.
Esse ponto foi retirado e substituído pelas acusações de crimes de epidemia com resultado de morte, cuja pena máxima chega a 30 anos, e crime contra a humanidade.
Neste ponto, Renan concordou com um argumento presente no relatório paralelo de Vieira, de que crime contra a humanidade seria o tipo penal mais apropriado para o indiciamento do presidente.
“Nós aproveitamos as circunstâncias dos argumentos técnicos do senador Alessandro Vieira. Eu concordo com eles, e aproveitei a oportunidade para agravar esse crime, qualificá-lo ainda mais porque estende a sua pena para 30 anos”, declarou Renan.
O senador Humberto Costa (PT-PE), que atuou para pacificar a divisão no G7, se posicionou a favor de tipificar as condutas do presidente como crime contra a humanidade no lugar de genocídio. “Acho que é melhor para a gente não chegar na primeira situação e isso acabar sendo desqualificado pelo procurador-geral da República”, afirmou.
Nas 1.180 páginas fechadas após acordo dos parlamentares também constam mudanças na lista de nomes para pedido de indiciamento. Ficaram de fora o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, e o pastor Silas Malafaia. No lugar deles, os senadores incluíram a agência de viagens Barão Turismo, suspeita de ser usada para lavagem de dinheiro pelo grupo Precisa.
Ritual de leitura
O relatório publicado por Renan possui 1.178 páginas. Diante do tamanho do documento, a solução da CPI foi fazer a leitura de um diagnóstico, de cerca de 50 páginas. A leitura durou aproximadamente 30 minutos.
Concluídos os questionamentos e solicitações, o colegiado terá até o dia 26 para analisar a íntegra do relatório para fundamentar seus votos, bem como apresentar os relatórios paralelos na forma de voto em separado. Terminada a votação, caso se aprove o atual relatório, o texto será enviado à Procuradoria-Geral da República, onde será analisado para abrir ou não processo contra os indiciados.
Fernando Bezerra defende governo
A última fala antes da leitura por parte de Renan foi a de Fernando Bezerra (MDB-PE), líder da bancada governista no Senado Federal. Para o senador, o relatório apresentado possui vícios de natureza política. “Um ato político não pode ensejar a criminalização de um presidente da república de um país com mais de 200 milhões de habitantes. O Direito não pode ser usado como um instrumento de política. Nesse sentido, ou se faz um relatório final técnico ou se elabora uma opinião comprometida politicamente. Não há como mesclar as duas coisas”, afirmou
Fernando Bezerra adotou o discurso dos membros governistas do colegiado de que o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro foge do texto constitucional. “Qualquer tentativa de imputar responsabilidade ao presidente da república extrapola a interpretação sistemática dos princípios constitucionais e a legislação penal. (…) Não há elementos jurídicos que sustentem a criminalização do Presidente da República”, defendeu.
Sua fala também se alinhou com os demais governistas ao tentar atribuir aos governos estaduais o elevado número de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil, afirmando que o Governo Federal não poupou esforços para garantir recursos e vacinas para a população.
Fake News e negligência
Na leitura de seu relatório, Renan deu destaque ao impacto das campanhas de fake news promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados sobre o número de mortes provocadas pela covid-19 no Brasil. “A veiculação de notícias falsas contribuiu para que o objetivo negacionista fosse alcançado. Nesse ponto, a CPI apurou que não apenas houve omissão dos órgãos de comunicação no combate aos boatos e desinformação, como também existiu forte atuação da cúpula do governo, em especial do presidente da república no fomento fomento à disseminação de fake news, que pelo que observou esta CPI, também mata”, declarou. O efeito se agravou com o enfraquecimento das ferramentas de comunicação oficiais.
Outro ponto considerado pelo relator como “o mais emblemático” entre os abusos do presidente foi a edição da Medida Provisória 926, que deu a Jair Bolsonaro o poder de dispor sobre serviços públicos por meio de decreto, mas foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal. Para Renan, a medida foi uma “tentativa de redistribuição de poder de polícia sanitária em prol da União”.
Aspectos da gestão por parte do Ministério da Saúde durante a gestão de Eduardo Pazuello, segundo o relator, também foram de grande importância no índice de casos no Brasil, faltando uma estratégia planejada de enfrentamento da doença. A negligência ficou nítida diante do atraso na compra de vacinas. “As negociações do governo federal sofreram injustificável e intencional atraso, que impactou diretamente na compra das vacinas e no cronograma de imunização da população”, apontou.
Crime contra a humanidade
A questão indígena se manteve no relatório final, desta vez como parte dos indícios de crime contra a humanidade, e não mais por genocídio, como na versão anterior do relatório. “As informações recebidas pela CPI sobre o impacto da pandemia sobre os povos indígenas também são preocupantes. Houve a ocorrência de crimes contra a humanidade, já colocados aqui, praticados contra povos indígenas. Começaram a surgir ainda em 2019, e fatos trazidos à CPI durante a pandemia constituem indícios fortes de que esses crimes estejam de fato em curso”.
Renan afirmou que o Governo Federal enfrentou deliberadamente os direitos dos indígenas, parte de uma retórica que antecedia seu governo. “Quando a pandemia chegou, o vírus foi mais uma arma, a mais mortífera nessa campanha que já estava em curso”. Além disso, o relator avaliou que ogoverno negligenciou o fornecimento de recursos básicos a esses povos, procurando potencializar os efeitos da pandemia sobre eles.
Prevent Sênior e cloroquina
O relator chamou a atenção para o aumento expressivo da receita gasta pelo governo com aquisição de cloroquina em 2020 em comparação a 2019. Também apontou para o fato da maior parte da produção ter ocorrido no mês de dezembro, quando já se sabia que o tratamento precoce com tal medicação para covid-19 não funcionava no enfrentamento da doença.
O repentino aumento na produção de cloroquina serviu para introduzir os crimes cometidos em parceria entre o governo e a empresa Prevent Sênior. “Ainda foi revelada a macabra atuação da Prevent Sênior (…) que agiu em parceria com o Governo Federal para falsear dados e documentos para promover o uso do chamado ‘kit covid’, composto por medicamentos sem eficácia para a covid-19. O governo recebia as medicações e o presidente as divulgava como verdade científica”.
Discurso ao presidente
Ao fim da leitura, o presidente do colegiado, Omar Aziz, se pronunciou sobre a declaração de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) de que o presidente teria dado gargalhadas ao ler o relatório. “O presidente deu gargalhada na falta de ar. O presidente deu gargalhada quando mandou a mãe comprar vacina”, declarou. Em seguida, deu um discurso dirigido a Jair Bolsonaro.
Em seu discurso, Aziz afirmou que respeita o cargo da presidência, mas isso não justificaria qualquer arquivamento do relatório por parte de autoridades. “Esse relatório, a partir de agora, passa a ser debatido no Brasil: nas universidades, nas faculdades. Vai servir de tese para muitos mestrados A partir de agora, ele passa a ser o relatório não da CPI, mas das vítimas da Covid-19”.
A risada de Bolsonaro foi, nas palavras de Aziz, não uma risada de alívio, mas de temor. “Presidente, o país precisa de afeto. E as imputações que estão sendo feitas contra a sua pessoa são imputações muito sérias. (…) A justiça vem. Vem pelos homens e vem pela justiça divina”. Em seguida, encerrou a reunião.
Confira a seguir a fala de Aziz:
> Renan retira acusação de genocídio contra Bolsonaro e pacifica oposição