A Câmara aprovou, nesta quinta-feira (23), a Medida Provisória 870, da reforma administrativa do presidente Jair Bolsonaro, após um acordão feito nos bastidores entre o governo, a oposição e o Centrão – bloco composto por PP, DEM, PR, Solidariedade e PRB. O destaque mais polêmico, que trata do trecho que limitava os poderes dos auditores da Receita Federal, foi retirado do texto. Em troca, os deputados acertaram que será votada a urgência, na próxima semana, de um projeto de lei que regulamentará a profissão.
Para parte da oposição e dos governistas, a intenção dessa amarra aos auditores prejudicaria investigações como a Lava Jato. Do outro lado, partidos alinhados ao centro, apoiados por PT e PCdoB, alegaram que os auditores “extrapolam suas funções”. A sessão de ontem (quarta, 22) foi suspensa pouco antes das 22h, após divergências justamente sobre esse ponto.
O trecho em questão é um dos chamados “jabutis” que o relator da MP, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, colocou em seu relatório. “Por fim, quanto à competência dos Auditores-Fiscais da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, promovemos alteração na Lei nº10.593, de 6 de dezembro de 2002 para vedar a investigação de crimes não fiscais, com o objetivo de promover maior segurança jurídica a esse tema e preservar as garantias constitucionais da intimidade do sigilo de dados”, dizia o trecho derrubado.
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Caso fosse aprovado, os auditores fiscais não poderiam compartilhar dados, ainda que encontrassem irregularidades, “sem ordem judicial, com órgãos ou autoridades a quem é vedado o acesso direto às informações bancárias e fiscais do sujeito passivo”.
Um dos nomes mais fortes do Centrão, o líder do PP na Casa, Arthur Lira (AL), defendeu a manutenção do trecho, apesar de concordar com o acordo feito para viabilizar a votação da MP. “Posiciona-se contra o que é certo quem mais tem medo”, afirmou ao Congresso em Foco. Ele lembrou a análise das dez medidas contra a corrupção em 2016. “Quem mais votou contra o pacote foi o PSDB, e veja o aconteceu com o partido depois”, mencionando a prisão do deputado Aécio Neves (MG) e investigações a respeito do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Lira, no entanto, também é investigado na Lava Jato.
Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), o encerramento da votação na noite de quarta escancarou a intenção de se fazer uma “operação abafa”. “Os auditores fizeram uma boa parte das ações da Lava Jato. Ficou escancarado o medo deles de perder. Até a divisão da oposição, com PT e PCdoB indo para o lado do Centrão, mostra isso”, avaliou o parlamentar.
PublicidadeO “jabuti” foi rechaçado desde sua inclusão na MP. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais repudiou em nota: “Referida limitação vai na contramão de conquistas históricas do povo brasileiro e do fortalecimento institucional necessário ao amadurecimento de nossa jovem democracia, mutilando um dos mais efetivos instrumentos com que a sociedade conta no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e outros crimes conexos”.
Recentemente, o vazamento de dados pela Receita Federal foi alvo de ataques por políticos e até mesmo por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como Gilmar Mendes, que teve expostos documentos que sugeriam indícios de fraude. O magistrado pediu ao presidente da Corte, Dias Toffoli, investigação sobre o vazamento.
Coaf
O destino do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que no texto original enviado pelo governo estava no Ministério da Justiça, mas acabou na Economia, foi colocado publicamente como a grande polêmica da MP. Contudo, serviu apenas de pano de fundo para encobrir a questão da Receita.
Embora tenha tentado virar opiniões de última hora, e até conseguido algumas – o placar, com uma diferença de 18 votos, foi mais apertado do que o Centrão esperava -, o ministro Sérgio Moro já dava a questão como solucionada. Tanto que, nos bastidores, ele e o chefe da Economia, Paulo Guedes, já haviam combinado um trabalho conjunto. A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR), nega-se a considerar a transferência do Coaf da Justiça para a Economia como derrota. “Continua tudo em casa”, afirmou.
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