O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, há pouco, a cassação da deputada Flordelis (PSD-RJ). Acusada de ordenar a morte do marido, em 2019, a parlamentar teve o parecer favorável à perda do mandato aprovado, por quebra de decoro parlamentar . Foram 457 votos favoráveis, sete contrários e doze abstenções.
Houve a tentativa de aplicação de uma punição mais branda à deputada, como uma suspensão do mandato até o julgamento do júri. Para que isso ocorresse, ao menos 103 deputados deveriam propor uma punição alternativa – mas nenhum parlamentar, no entanto, saiu em sua defesa em tempo hábil.
O relator do caso, Alexandre Leite (DEM-SP) leu o parecer em prol da cassação da deputada. Para o parlamentar, ficou clara a participação da deputada fluminense no assassinato do marido. Flordelis teria, inclusive, se valido de má-fé e distorção dos fatos, além de promovido ataques pessoais aos membros do Conselho de Ética da Câmara. O processo que analisa a participação da deputada no homicídio ainda tramita no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
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O papel de Anderson do Carmo no gabinete de sua esposa era, segundo Alexandre, de extrema importância – a ponto de ser chamado de “o 514º deputado”. Responsável por projetos e relatorias de Flordelis, a morte de Anderson teria feito desabar a produtividade do gabinete, indicou o relator.
Com isso, o parecer foi pela perda de mandato. “As provas coletadas tanto pelo Conselho de Ética quanto no curso do processo criminal são aptas a demonstrar que a representada tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes daquilo que se espera de um representante do povo”, disse. “Fica clara a demonstração que todos os fatos, narrados e o conjunto lógico tem mesmo sentido até no laudo cadavérico e balístico.”
Veja a íntegra do parecer contra a deputada:
PublicidadeFlordelis se defende
Logo em seguida, foi a vez da deputada subir ao púlpito para se defender. A deputada cobrou que seu afastamento das funções parlamentares seja feita pelos próprios eleitores, e não por seus pares. Além disso, reclamou que os parlamentares não tem conhecimento do seu processo. “Me pergunto: é justo, sem conhecer e sem ler [o processo] que me julguem? Sem saberem da verdade?”, questionou. “Como Vocês estariam se estivessem em meu lugar hoje?”
Sobrou até para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “O próprio presidente desta casa, deputado Arthur Lira, que foi eleito dizendo que daria voz a todos nós, não me ouviu. Não por falta de tentativa pois eu tentei, mas por conta talvez da pandemia, das emergências que precisavam ser votadas nesta Casa, porque milhares de pessoas estavam morrendo”, justificou. A deputada voltou a alegar inocência, e que provará a inocência a todos.
Ao final, Flordelis apelou para a consciência dos parlamentares que selarão seu destino. “Quando o tribunal do júri me absolver – porque eu serei absolvida – vocês irão colocar a cabeça no travesseiro e vão se arrepender por condenar alguém que ainda não foi julgada. Vocês estão tentando cassar uma pessoa que não foi julgada – vocês estão desconstruindo minha imagem, me chamando de ‘frequentadora de casa de swing’ e ‘feiticieira’ – coisa que eu não sou. Eu sirvo a um deus, o Deus de Abraão, Isaque, Jacó e meu deus também”, disse. “Vocês não tem todos os elementos necessários para pedirem a minha cassação. Então me ajudem, sejam justos, e não me cassem.”
‘Ojeriza acumulada’
O advogado da deputada, Rodrigo Faucz, reforçou o argumento que Flordelis estaria sendo cassada sem que houvesse a sua condenação. “Onde está a condenação em primeira instância da Flordelis? Não estamos falando em segunda instância, não estamos falando em ‘trânsito em julgado’, onde está a condenação em primeira instância da Flordelis?”, disse.
O caso estaria sendo movido, em sua visão, por “uma parcela irresponsável da mídia”, que buscaria influenciar os membros do júri que analisarão o caso no futuro. Haveria também, em sua visão “ojeriza acumulada” contra a deputada que, por ser mulher, negra e periférica, estaria sofrendo de misoginia, machismo e racismo estrutural contra a sua defesa. “Sou privilegiado”, disse o defensor, “o que não me impede de reconhecer, nos meus próprios privilégios, de perceber a crueldade e a desumanidade intrínseca àqueles que não são como eu.”
Os advogados sugeriram que a deputada seja suspensa do mandato até o julgamento do júri.
Lira responde
O presidente Arthur Lira se irritou com as críticas feitas pelo advogado ao Plenário. “Eu sempre agi nesta casa em defesa não da cliente dele, mas em defesa de qualquer parlamentar e de qualquer direito”, disse diretamente ao advogado. “Aqui ninguém tem sede nem sanha de justiceiro, mas o processo foi feito, o Conselho de Ética cumpriu sua missão, e o relator é um deputado experiente, que tem o respeito desta Casa e que não vai ser agredido por ninguém.”
Deputados debatem parecer
Após as partes apresentarem seus argumentos, os deputados debateram a questão.
Um dos discursos mais surpreendentes foi do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), que assim como Flordelis, é líder evangélico de formação e vem do mesmo estado da deputada. “Anderson era meu irmão. E subir nesta tribuna par afalar contra a honra de um morto? E acusá-lo de pedofilia e de abuso sexual? Ora, se a deputada Flordelis sabia que convivia com um pedófilo e abusador, por que não denunciou isso antes?”, questionou.
Otoni disse que ligou para o telefone de Anderson Gomes no dia do assassinato, e que um dos filhos de Flordelis atenderam o telefone – o aparelho, peça central da investigação, acabaria sumindo. “Onde foi parar o celular, Flor? Flor, você usou o celular para ligar para a Yvelise”, revelou Otoni, referindo-se à esposa do ex-senador Arolde de Oliveira. Mesmo sem microfone, as câmeras flagram Flordelis acenando negativamente com a cabeça.
Por isso, ele anunciou que votaria pela cassação. “Em nome da memória do Anderson, e da memória de quem não pode se defender, eu subo a esta tribuna para dizer que infelizmente eu votarei em favor do relator, com o coração cortado e dolorido, mas com a consciência em paz”.
No encaminhamento da votação (que não contou com orientação pelos líderes de bancada), deputados como Léo Motta (PSL-MG) pediram justiça. “Quem está morto não se defende, mas em nome dos evangélicos deste país e em nome desta Casa, quero pedir que os colegas apreciem com justiça e isenção”, afirmou o deputado, autor do pedido de investigação pelo Conselho de Ética.
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