A Câmara dos Deputados aprovou na noite dessa terça-feira (5) projeto que propõe o uso de linguagem simples na comunicação de órgãos e entidades públicas. De autoria da deputada Erika Kokay (PT-DF), a proposta tem como objetivo simplificar para a população o entendimento de informações públicas. A matéria agora avança para o Senado.
O projeto de lei (PL 6256/19) institui a Política Nacional de Linguagem Simples. De acordo com o texto inicial, a aplicação de diretrizes da política contribuirá para a transparência dos órgãos públicos, assim como promover maior participação popular em assuntos de interesse público, pois funciona como “ponte” entre sistema e usuário.
“A linguagem simples é um instrumento por meio do qual se realiza a mediação entre sistemas ou conjunto informacionais e usuários, ou seja, exerce a função de ponte entre pelo menos duas linguagens: a linguagem do sistema e a linguagem do usuário. A linguagem para aproximar a comunicação do governo ao usuário pelo grau de educação da população é a linguagem simples. Com ela será possível assegurar a todos os cidadãos um melhor acesso às informações que precisam ou desejam conhecer”, aponta o projeto.
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Apesar de ser novidade no Brasil, a linguagem simples já existe em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a Lei de Redação Simples (Plain Writing Act), de 2010, que obriga o Estado a redigir documentos federais em linguagem simples. Portanto, trata-se de uma técnica universalizada, com normas gerais, como a ISO (Organização Internacional para Padronização, em português), que está sendo adaptada no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
No país, a linguagem simples obedecerá ao Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa (Volp), ou seja, só poderão ser utilizadas palavras que constem no documento. Além disso, a proposta prevê técnicas para redação dos textos, como a ordem direta nas frases e organizar o texto para que as principais informações apareçam primeiro.
“É muito importante e muito positiva a aprovação da proposta, na nossa visão. Embora não seja um projeto perfeito, ele já avança muito, pois hoje não há obrigação legal de ser compreendido. Ser compreensível é um requisito fundamental, basilar da cidadania”, explica a jornalista e integrante da organização Rede Linguagem Simples Brasil Patrícia Roedel.
PublicidadeSegundo ela, a medida prevê que cada órgão tenha uma pessoa encarregada da Linguagem Simples, como já acontece com o encarregado de dados pessoais, previsto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O mesmo também acontecerá com a linguagem simples, um funcionário para fazer essa mediação. “Será como um ouvidor do assunto”, pontua Patrícia, que também faz parte do laboratório Linguagem Simples Lab.
Linguagem Neutra
Um destaque da matéria, isto é, uma sugestão de mudança do texto original, proíbe o uso de linguagem neutra na comunicação pública. A proposição do deputado Junio Amaral (PL-MG) impede a flexão de substantivos e adjetivos em gênero neutro, como usar “todes” para se referir a homens, mulheres, não binários e pessoas intersexo.
Segundo Patrícia, “a proibição não faz diferença nenhuma”, uma vez que o projeto estabelece que apenas termos presentes no Volp podem ser usados na redação de textos oficiais. Entretanto, a linguagem neutra e eventuais flexões de gênero neutro não constam no Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa.
“No bojo dessa rejeição [a proposta foi impedida de ser votada cinco vezes], há desde uma confusão entre Linguagem Simples e linguagem neutra (não existe qualquer interseção entre as duas) até o medo de simplificar obras literárias, em uma clara distorção do escopo da proposta”, diz a jornalista em artigo escrito para o Congresso em Foco.
Mesmo esse destaque sendo considerado um “jabuti” – uma proposta que não corresponde à pauta -, a proposição foi aprovada.