A reunião conjunta de três comissões da Câmara que ouviu o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, acabou em confusão e gritaria. O tumulto começou depois que o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) disse que Moro entrará para a história como um “juiz ladrão”. Antes, o deputado havia feito uma analogia entre a atuação do ministro como magistrado e um árbitro de futebol que toma um dos lados, prejudica o outro e depois vira dirigente da equipe.
Aliados de Moro se revoltaram com as declarações de Glauber e cobraram respeito. Parlamentares e assessores cercaram a mesa da comissão. A deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) encerrou os trabalhos em meio à gritaria. Ela também pediu que fossem retiradas dos registros oficiais da reunião as ofensas ao ministro. Enquanto deixava a sala, Moro foi chamado pela oposição de “fujão”. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini (PSL-PR), disse que a sessão foi encerrada porque Moro foi desrespeitado por “alguns poucos parlamentares”.
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Antes de a reunião ser encerrada, o ministro foi questionado por cerca de 60 deputados. Chegou a receber troféu de um de seus apoiadores, o deputado Boca Aberta (Pros-PR). Mas, em geral, o clima foi de hostilidade por parte dos oposicionistas, que o acusavam de orientar as investigações da Lava Jato e de agir com parcialidade na condução do processo que resultou na condenação e prisão do ex-presidente Lula.
Ao longo da audiência, Moro defendeu o trabalho da Lava Jato. Ele afirmou que não reconhecia a autenticidade das conversas atribuídas a ele e ao procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, e que nunca agiu de forma ilegal. Segundo o ex-juiz, o ataque a celulares de autoridades é criminoso e busca prejudicar o resultado das investigações.
PublicidadeMuitos recursos
Ainda de acordo com o ministro, “alguém com muitos recursos” está por trás dos ataques de hackers aos celulares de procuradores que deram origem aos áudios do Intercept Brasil. Ele disse acompanhar as investigações da Polícia Federal como “vítima”.
“Alguém com recursos porque não é a tentativa de ataque de um celular, mas a tentativa de ataque de vários, em alguns casos, talvez, com sucesso, o que não parece corresponder a atividade de um adolescente com espinha na frente de um computador”, afirmou Moro.
Segundo o ministro, não é possível recapturar as conversas. “Essas mensagens não existem mais na nuvem após seis meses de inatividade. Eu deixei o Telegram em 2017”. O alvoroço na Câmara se dividia entre palavras de apoio e defesa ao ministro e à Lava Jato e em questionamentos, provocações quanto à ética na conduta do ex-juiz nas investigações da operação.
“A sociedade brasileira, um cidadão comum quando chega diante de um tribunal ele quer a garantia do seu direito de defesa, ele quer a garantia de um tribunal imparcial e a garantia da conduta de um juiz que de fato não tome lado, sinceramente, é a questão democrática deste país é que está em jogo neste debate” afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), alegando também que “nos diálogos divulgados há uma violação imensa da tradição jurídica brasileira”.
Revanchismo
Pouco depois o deputado Éder Mauro (PSD-PA), partindo em defesa do ministro, disse que Sergio Moro era “um símbolo da coragem e da justiça neste país”. Um dos autores do requerimento de convite ao ministro, o deputado Darcisio Perondi (MDB-RS) elogiou a disposição do ministro de comparecer à Câmara. “A vinda do ministro reflete o saudável exercício da democracia, pois permite a explicação dos vazamentos criminosos”, disse o vice-líder do governo.
“Existe muito revanchismo, se eu tivesse me omitido durante a Operação Lava Jato não sofreria esses ataques”, afirmou o ministro. Ele disse ainda que o site The Intercept anunciou que revelaria um conteúdo “bombástico”, mas que o material divulgado se mostrou, na verdade, “um balão vazio”. Segundo Moro, as conversas com procuradores e advogados fazem parte do cotidiano da prática jurídica e não são ilegítimas. “Quem afirmar o contrário não está refletindo o cotidiano da prática jurídica”, alegou.
O deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) declarou que Moro tem usado o resultado da operação como justificativa das suas condutas, criando dessa forma uma “cultura dos fins que justificam os meios”, colocando em jogo a própria Lava Jato.
A deputada Érika Kokay (PT-DF) definiu a Lava Jato como uma farsa. Reclamou da mensagem em que o então juiz federal aconselhou o Ministério Público a não investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Disse que as delações premiadas foram escolhidas seletivamente, o que desmoraliza o combate à corrupção. “O país está vivendo uma farsa no Palácio do Planalto”, encerrou.
Final de campeonato
Antes do início da audiência, o clima era de final de campeonato. No lado de fora, manifestantes se dividiam entre palavras de apoio ao ministro e atos em desagravo.
Dentro da Comissão de Constituição e Justiça, petistas e governistas trocavam provocações. Presidente do colegiado, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR) anunciava o sumiço dos óculos de Perpétua Almeida (PCdoB): “Pessoal, a deputada Perpétua perdeu seus óculos”.
Os petistas aproveitaram para ironizar o ministro: “Manda um telegram para o Moro, Perpétua”. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), reagiu na hora: “Manda um telegram para o Lula. Se querem provocar, então vamos provocar”. O ex-presidente Lula está preso em Curitiba, após condenação no âmbito da Operação Lava Jato.
Moro compareceu à Câmara para falar sobre vazamento de diálogos com procuradores da Operação Lava Jato divulgados pelo site Intercept. Mensagens reveladas pelo veículo indicam troca de colaboração entre Moro, então juiz federal, e Deltan Dallagnol, procurador e coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo.
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