Dois dias após a eleição dos novos presidentes e integrantes das mesas diretoras, a Câmara e o Senado abrem os trabalhos legislativos de 2025 em uma sessão solene conjunta, com a presença de deputados e senadores e representantes dos poderes Executivo e Judiciário. A abertura das atividades segue um ritual que remonta ao Império. O evento, que começará às 16h desta segunda-feira (3), será conduzido pelo novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), na condição de presidente do Congresso Nacional. Alcolumbre volta para exercer o segundo mandato após receber 73 votos dos 81 possíveis no último sábado (1), a terceira maior votação para o cargo na história.
O Executivo encaminhará uma mensagem presidencial com a relação de temas e projetos que considera prioritários. A presença do presidente da República nesta sessão não é obrigatória. Lula deve ser representado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, também participará da cerimônia e fará a leitura de uma mensagem do Judiciário, assim como o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
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O cumprimento do ritual de abertura dos trabalhos anuais deve encerrar o breve momento de pacificação que levou PT e PL a se unirem em torno das candidaturas de Alcolumbre e Hugo Motta (Republicanos-PB). O novo presidente da Câmara já convocou reunião com os líderes partidários para as 17h30 desta segunda-feira para definir as prioridades deste começo de ano legislativo. Motta terá o desafio de contemplar governistas e oposicionistas depois de ter recebido o apoio de 444 dos 513 deputados em sua eleição. Os dois novos presidentes, a exemplo de seus antecessores, fizeram acenos para um lado e para o outro. Empossados sob aplausos de plenários lotados, agora devem conviver com cobranças de parte a parte, o que exigirá deles grande fôlego e jogo de cintura.
“Nem sempre agradaremos a todos”, avisou Alcolumbre em seu primeiro discurso como presidente.
O começo do ano servirá de teste para a base aliada do presidente Lula, dias após lideranças do PP, do PSD e do Republicanos vocalizarem críticas ao governo. A nova gestão também se apresenta desafiadora para a oposição, que tentará avançar com o projeto de lei de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, na Câmara, e com os pedidos de impeachment de ministros do Supremo no Senado. O perdão aos acusados de participarem de uma trama golpista é visto pelos defensores da proposta como um passo na tentativa de reabilitar politicamente o ex-presidente Jair Bolsoanro, hoje inelegível.
Os oposicionistas não conseguiram aprovar a anistia para os participantes dos atos antidemocráticos praticados por bolsonaristas. A proposta ficou engavetada num grupo de trabalho anunciado pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lideranças bolsonaristas afirmam que ouviram de Motta o compromisso de que o projeto não será arquivado e que as discussões serão retomadas neste ano. Ele, no entanto, admitem, não se comprometeu a aprovar o texto. Já no Senado são nulas as chances de o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, o principal alvo da oposição, avançar.
Como mostrou o Congresso em Foco, tanto deputados quanto senadores têm proposições polêmicas remanescentes do ano passado para analisar nesta volta aos trabalhos:
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- Orçamento, novo Código Eleitoral e cassinos: as prioridades do Senado em 2025
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse no sábado, na Câmara, que o governo teve dificuldade para elaborar a mensagem presidencial de 2025 por entender que as pautas mais importantes já haviam sido aprovadas nos últimos dois anos, com a criação ou reformulação de programas sociais e a aprovação da reforma tributária. “Apenas na área econômica, foram 32 projetos estratégicos aprovados”, ressaltou Padilha, que reassumiu o mandato interinamente apenas para votar em Hugo Motta. O gesto foi acompanhado pelos demais ministros parlamentares como sinal de apreço pelos novos presidentes da Câmara e do Senado.
Educação e redes
Segundo Padilha, as prioridades do governo para o ano incluem propostas para fomentar o investimento e o empreendedorismo no país, com foco especial em micro e pequenos empreendedores, inclusive facilitando a exportação de seus produtos. A isenção do Imposto de Renda para quem tem renda de até R$ 5 mil, o novo Plano Nacional de Educação e a regulamentação das plataformas digitais e da inteligência artificial também foram citados pelo ministro como pontos prioritários para o Planalto e que devem constar da mensagem presidencial.
Para ele, é fundamental aprovar a regulação do ambiente digital. “Esse é um debate muito importante. Já aprovamos no Senado a proteção das crianças e adolescentes contra crimes que acontecem em ambiente digital, (projeto) que já está aqui na Câmara”, avaliou. “Já aprovamos no Senado o PL da inteligência artificial, e vamos trabalhar aqui na Câmara, e todo projeto que proteja as pessoas, as famílias, o ambiente de negócios contra crimes que acontecem no ambiente virtual terá apoio do governo”, reiterou. “A gente não pode admitir que crimes na vida presencial possam ser liberados para acontecer no ambiente digital”, declarou.
Além de Padilha, também se licenciaram para votar em Motta: Celso Sabino (Turismo), André Fufuca (Turismo), Luiz Marinho (Trabalho), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Social e Agrário), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e Juscelino Filho (Comunicações), todos deputados federais. Para votar em Alcolumbre, reassumiram temporariamente o mandato no Senado Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Camilo Santana (Educação), Renan Filho (Transportes) e Carlos Fávaro (Agricultura). Todos devem reassumir suas pastas nesta segunda-feira.
Orçamento em março
Um tema que também deverá mobilizar o Congresso neste começo de ano é a votação da Lei Orçamentária de 2025. O projeto da Lei Orçamentária Anual (PLN 26/2024) está previsto para ser votado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) apenas no dia 10 de março, após o Carnaval. A estimativa foi feita no sábado pelo relator da matéria, senador Angelo Coronel (PSD-BA). “A previsão mais racional é para o dia 10 de março. O mês está começando, e precisamos fazer ajustes necessários. É importante ter calma, pois não adianta elaborar um Orçamento apressado que não atenda às expectativas do povo brasileiro”, declarou.
Coronel destacou que o relatório final da proposta orçamentária ainda apresenta “muitas pendências”. Entre os exemplos citados estão a previsão de recursos para programas como Pé-de-Meia e Auxílio Gás, além do rito para a liberação de emendas parlamentares. “Vamos iniciar as discussões, pois há decisões judiciais que estabelecem um rito específico para as emendas. Pretendemos nos reunir com membros do Supremo Tribunal Federal [STF] e do Poder Executivo para resolver, de uma vez por todas, essa questão. A emenda é um direito do parlamentar, mas precisamos adequá-la para atender não apenas ao Parlamento, mas também a todos os municípios do Brasil”, afirmou.
A proposta orçamentária deveria ter sido votada no ano passado pela CMO e pelo Plenário do Congresso Nacional. No entanto, o atraso na aprovação do projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (PLN 3/2024), as indefinições em torno do sistema de distribuição das emendas parlamentares e a votação do pacote de corte de gastos impactaram o cronograma orçamentário. Resolver com o Supremo a confusão em torno das emendas parlamentares, aliás, será um dos primeiros desafios de Motta e Alcolumbre. A suspensão das emendas, por determinação do ministro Flávio Dino, desagradou à cúpula do Congresso e estremeceu a relação de Arthur Lira com o governo.
Cerimônia externa
Antes da sessão de abertura dos trabalhos, Hugo Motta e Davi Alcolumbre participarão da tradicional cerimônia externa, com a presença de tropas das Forças Armadas. Ao chegarem ao Congresso em carros oficiais, ambos se posicionam ao lado dos mastros de bandeira localizados na parte externa do Palácio do Congresso.
O Hino Nacional será executado, seguido por uma salva de 21 tiros de canhão pela Bateria Caiena, do Exército. Em seguida, o presidente do Senado passa em revista às tropas — um ritual que remete ao ato histórico de verificar a preparação dos militares para batalhas.
Depois, os dois presidentes sobem a rampa do Congresso e são recebidos pelos secretários-gerais da Mesa e pelos diretores-gerais das duas Casas. Em caso de chuva, a cerimônia será transferida para o Salão Branco do Congresso, e não haverá tiros de canhão nem subida da rampa.
Sessão solene
Após a cerimônia externa, os presidentes seguem para o Salão Negro, onde serão recebidos por representantes do Poder Executivo, o presidente do Supremo Tribunal Federal e as lideranças partidárias. Todos se dirigem ao Plenário da Câmara para a sessão de abertura do ano legislativo.
Após declarar aberta a sessão solene, o presidente do Congresso anuncia a leitura da mensagem do Poder Executivo. A mensagem do Poder Judiciário, por sua vez, será lida pelo ministro Luís Roberto Barroso. Entre outras autoridades, também estão previstas as presenças de ministros, representantes de embaixadas e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Os discursos na abertura anual dos trabalhos legislativos no Brasil remontam ao período imperial, quando eram conhecidos como Falas do Trono, iniciados por Dom Pedro I em 1823. No período republicano, a tradição de enviar a mensagem presidencial ao Congresso foi iniciada em 1890 pelo primeiro presidente da República, marechal Deodoro da Fonseca.
Atualmente, a prática é uma determinação constitucional. A Carta Magna estabelece que o presidente da República deve enviar uma mensagem e um plano de governo aos parlamentares, expondo a situação do país e solicitando as providências que julgar necessárias. Isso deve ocorrer na abertura da sessão legislativa, que acontece anualmente a partir do dia 2 de fevereiro ou no dia útil seguinte.