Texto escrito em parceria com Nírvia Ravena (NAEA-UFPA), cientista política e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
A aprovação do Projeto de Lei nº 364/2019 na Câmara dos Deputados, no dia 20 de março, insere os campos nativos do Brasil, inclusive os do bioma amazônico, no processo de desregulação ambiental. A despeito da mudança do clima político instalado com o governo Bolsonaro (2019-2022) — com seu estrondo compromisso com o desmantelamento das políticas ambientais em todas as frentes em que se estruturam esse setor de política — a ascensão à presidência da República de um partido alinhado à bandeira ambientalista não estancou a política de desmantelamento que segue em curso no Legislativo brasileiro.
A representação de setores antiambientais está cada vez mais fortalecida no lobby das frentes parlamentares do agronegócio e da indústria, que recebe reforço de parlamentares ditos moderados de diversos partidos de centro e de direita e se articulam na defesa da “flexibilização” da política regulatória. Flexibilização está, aqui, entre aspas porque mudanças que parecem coerentes e razoáveis à observação imediata, pode desencadear a ineficácia dos controles sobre atividades que geram grande impacto ambiental e significar, de fato, a liberdade para ampliar o desmatamento e poluir.
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Estratégias para retardar e marcar posição ao conteúdo do PL proposto pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS), foram ineficazes para frear a abertura de novas fronteiras territoriais que sirvam ao agronegócio. Visando regulamentar a utilização da vegetação nativa dos Campos de Altitude abrangidos pelo bioma Mata Atlântica, cuja produção estaria sendo inviabilizada pelo rigor da Lei nº 11.428/2006, o PL foi encaminhado à comissão de meio ambiente (CMADS).
O deputado Nilto Tatto (PT-SP) foi designado relator e emitiu parecer pela rejeição do projeto em meados de 2019, defendendo a manutenção do regime de proteção mais restritiva da Lei da Mata Atlântica, onde tradicionais atividades agrossilvipastoris são admitidas e sustentáveis. Mas o relatório não foi votado na CMADS e só no final de 2021 aparece nova movimentação, com a apresentação de voto em separado do então deputado Nelson Barbudo (PSL/MT), seguindo-se um de pedido de retirada de pauta pelo relator.
Em 2022, dois anos depois da apresentação do relatório de Nilto Tatto, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB), atualmente presidente do Ibama, faz novo pedido de retirada de pauta, mas imediatamente o deputado Nelson Barbudo faz pedido de vistas. Após várias movimentações para adiar a discussão da proposta o relatório de Nilto Tatto foi rejeitado por votação nominal.
PublicidadeUm novo protagonista surgiu nesse cenário, o deputado Jose Mario Schreiner (MDB-GO), que discutiu a matéria, votou em separado e foi designado novo relator do projeto de lei na CMADS. No seu parecer com substitutivo, o Novo Código Florestal deverá ser modificado para considerar as áreas de vegetação nativa “predominantemente não florestais” como “área consolidada”, mesmo que a vegetação nativa não tenha sido alterada, tendo como marco temporal o período anterior a 22 de julho de 2008. O escopo da regulação não se restringe mais aos campos de altitude, típicos dos cumes montanhosos da região sul, aplicando-se a todos os biomas onde existam campos nativos.
O relatório aprovado na CMADS sob a resistência de parlamentares de centro esquerda, passou ainda em dezembro de 2022 à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou a mesma proposta em conformidade com a recomendação do relator, deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), que atestou sua constitucionalidade. Entretanto, os aliados do ambientalismo levaram a CCJ a analisar o substitutivo durante o ano de 2023, período em que os partidos progressistas tentaram bloquear, através de requerimentos de retirada de pauta e de votação nominal, a dinâmica de captura da pauta pelos representantes do agronegócio.
A culminância desses embates, até o estágio atual de tramitação, se dá com a aprovação de um substitutivo na CCJ — atualmente presidida por uma radical do PL — que sofisticou o texto da CMADS para eliminar dúvidas quanto ao propósito da maioria das comissões, possibilitando a elegibilidade de produtores rurais ao Programa de Regularização Ambiental. Quaisquer atividades produtivas podem, agora, ser utilizadas em áreas consolidadas, respeitando-se as áreas de reserva legal e outras determinações estabelecidas no Novo Código Florestal.
Abre-se uma nova fronteira a ser desbravada pela produção econômica, que com recursos e tecnologia pode até levar a moderna produção agrícola aos campos nativos do Marajó (PA). A experiência da produção de arroz nesta região não se mostra alvissareira para a sobrevivência das populações tradicionais e para a biodiversidade amazônica.
O trancamento da pauta na CMADS e as modificações que ocorreram na CCJ mostram a força que têm os representantes do agronegócio na captura do processo decisório, durante a tramitação de políticas ambientais. A advocacy enquanto processo de apoiar uma causa esbarra nas janelas de oportunidade que os dispositivos do Regimento Interno das Instituições Legislativas proporcionam para a instalação de uma conjuntura propícia para a captura de pautas por grupos organizados no Legislativo.
Rito de tramitação na Câmara dos Deputados
O poder conclusivo das comissões encerraria a tramitação na Câmara com a aprovação do relatório nas duas comissões, mas um décimo dos deputados/as da Casa modifica esse rito levando a discussão ao Plenário. A deputada Érika Hilton (Psol-SP) acionou de imediato essa prerrogativa, dando mais um folego para que alarmes de incêndio saídos do ambientalismo chamem atenção da sociedade e pressionem o Congresso.
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