Constrangimento é a palavra que me vem à cabeça quando eu falo de violência de gênero. Aí, eu pergunto para quem está me ouvindo: quantas vezes você se sentiu constrangida por algo que alguém falou, fez ou pretendeu fazer só porque você é uma mulher? Pode ser um xingamento, pode ser uma crítica, pode ser uma ameaça, um julgamento. Associamos a violência contra a mulher a coisas bem mais agressivas, como estupro, assédio sexual e, é claro, feminicídio, mas existem muitas violências que nem sempre somos capazes de percebê-las como tal!
Eu começo este programa discutindo o que é violência para você e isso não é por acaso. Quanto mais clareza tivermos do que é aceitável e do que não é aceitável, mais fácil será impedir a escalada da violência contra a mulher.
Especialista em educação e, sobretudo, educação para cidadania, Ana Cláudia Lustosa concorda comigo que não se combate a violência sem uma mudança cultural profunda, e essa mudança começa pelo conhecimento do problema e pelo reconhecimento do que já existe para nos proteger. É preciso acreditar que se pode dizer não, é preciso denunciar quando alguém toca no seu corpo sem a sua autorização, por exemplo. Pode ser o médico, o tio, o namorado, não importa!
A Câmara apoia a campanha do Agosto Lilás para amplificar o discurso do “não é não”, que tem que valer todos os dias, deixando claro que todas as formas de abuso e de assédio devem ser combatidas. A boa notícia é que a sociedade brasileira está mudando. A má notícia é que a mudança levará anos.
Ana Cláudia Lustosa comandou por 15 anos o site Plenarinho e hoje é responsável pela coordenação da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Ela lembra que lutar contra a impunidade é papel de todos, e um dos papéis da Secretaria é cuidar para que o Estado também faça a sua parte.
“Acho que nesses 17 anos da Lei Maria da Penha a gente avançou muito e muita coisa foi conquistada. Mas é preciso fazer um trabalho importante de fiscalização. Na Secretaria da Mulher, tem a Procuradoria da Mulher que tem o desejo de construir uma rede que possa atuar na fiscalização do que está previsto em lei, nos desdobramentos das denúncias e de não deixar que as denúncias morram, porque muitas vezes as mulheres são desestimuladas a denunciar porque tem a sensação de que nada vai acontecer e que, se eu denunciar, meu agressor vai voltar com mais força contra mim. Por isso, é preciso fiscalizar o que é feito quando ela denuncia. Isso tem que acontecer para que a legislação não seja letra morta.”
E quais são os dados sobre a violência contra a mulher no Brasil? A situação está se agravando?
Uma pesquisa do Instituto Libertas mostra que 32% dos adultos entrevistados foram vítimas de alguma violência sexual antes dos 18 anos, o que dá cerca de 66 milhões de pessoas.
Apenas 11% denunciam, o que demonstra que o medo leva ao silêncio.
No crime de estupro, por exemplo, a pesquisa do Libertas mostrou que 61,3% das vítimas são menores de 13 anos e mais de 80% dos abusadores eram pessoas próximas.
Pais, tios, avós, padrinhos, o vizinho.
A luta contra a violência depende não apenas de leis, mas também de investimentos. Segundo o podcast O Assunto, o orçamento público para combater os crimes contra as mulheres em 2022 foi o menor dos últimos 10 anos.
O acesso à informação, por meio de campanhas de conscientização, é fundamental para combater o problema.
“Se a gente pensar que o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo, isso é chocante. Quando a gente pensa no “Agosto Lilás” e no Aniversário da Lei Maria da Penha que completa 17 anos, a gente evoluiu muito. O caso Maria da Penha abriu um canal valioso para o combate contra a violência doméstica, a lei foi sendo melhorada para dar conta dos problemas para os quais a sociedade pediu resposta, tanto que hoje a gente tem a violência psicóloga, a violência política de gênero, a violência sexual, a gente tem cinco tipos de violência contra a mulher para tentar combate-los”.
E as mulheres deputadas, elas também sofrem algum tipo de violência? Porque existe um corte que demonstra que as mulheres negras e mulheres de mais baixa renda são as maiores vítimas, mas a gente pode dizer que o ódio, a discriminação e o desrespeito às mulheres faz parte de uma cultura generalizada?
A cultura machista também atinge a política, e a Secretaria da Mulher visa apoiar e proteger as deputadas, seja pela orientação com relação ao encaminhamento de denúncias de casos de violência, seja na batalha pelo fortalecimento do mandato parlamentar, com a ampliação da presença das parlamentares nos espaços decisórios.
Por outro lado, as deputadas são o melhor exemplo de que a mulher pode sim ocupar todos os espaços na sociedade, em pé de igualdade com os homens.
Ana Cláudia Lustosa explica que a transformação passa pela revisão dos papéis sociais, num trabalho de educação que deve começar nas escolas.
“Não é uma discussão que ensina que aquele é um tipo de violência, mas a educação que chama a atenção para o nosso papel na sociedade, existem projetos que trabalham pela valorização da mulher na sociedade, em que nós mulheres precisamos nos enxergar de uma forma diferente. A professora Gina Ponte de Brasília tem um trabalho belíssimo, que ela usa mulheres inspiradoras para mostrar pra as mulheres e para os meninos na escola o papel das mulheres, que não é só de um corpo objetificado, mas um papel transformador que a mulher tem na sociedade, de cientista, de professora, de mulher do esporte, da mulher que está em todos os espaços, e não é só um corpo bonito, que você pode lançar mão quando tem vontade”.
Em caso de violência, ligue para a polícia no 190 ou para o 180, de atenção à mulher.
Você também pode falar com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, pelo número 61 3215-8800 ou pelo e-mail secretariadamulher@camara.leg.br.
Quem tem voz, tem vez!