A mídia anuncia um ano tenso para o governo no Congresso Nacional, já ausente o efeito de boa vontade inicial característico de anos inaugurais. O Painel do Poder, survey trimestral realizado pelo Congresso em Foco Análise, traz alguns elementos interessantes para reflexão sobre esse contexto.
O gráfico a seguir apresenta a avaliação do governo pelos parlamentares, sobre dois temas: relacionamento com o Congresso e relacionamento com o Judiciário. Os números representam médias, obtidas a partir das respostas individuais, que podiam variar entre 1 e 5.
Durante o governo Bolsonaro, o relacionamento com o Judiciário foi o pior item avaliado, tendo encerrado o período com média 1,68. Os embates do ex-presidente com o Poder Judiciário, particularmente com o Supremo Tribunal Federal, foram notórios e efetivos – a percepção dos parlamentares baseia-se em uma avaliação concreta de que a relação poderia desandar a qualquer tempo.
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No início imediato do governo Lula, os parlamentares reverteram essa avaliação de modo contundente, atribuindo média 4,1 ao relacionamento com o Judiciário.
De pior item entre os avaliados, o tópico passou a item com melhor avaliação. Embora seja uma avaliação positiva, é importante o governo estar atento ao substrato dessa avaliação.
PublicidadeO item relacionamento com o Congresso é igualmente revelador. Tendo patinado no início, Bolsonaro, após sua aliança com o Centrão, viu a média elevar-se gradualmente, até chegar ao final de seu mandato no valor de 3,1. A aliança com o Centrão representou, para Bolsonaro, a aceitação explícita dos mecanismos de funcionamento do presidencialismo de coalizão, o que significa dizer, política as usual no contexto brasileiro – um presidencialismo com sistema multipartidário e fragmentado, no qual o Poder Executivo precisa negociar perenemente com o Poder Legislativo a fim de manter suas capacidades governativas.
Já Lula não consegue manter uma média elevada no tópico (no primeiro ano, quem dirá no segundo, que se afigura tão difícil, a crer-se na mídia). Sintomático, é que o relacionamento com o Congresso é o item de pior avaliação por parlamentares da base. Frente ampla versus distribuição de cargos, controle do Orçamento versus gestão das emendas; os elementos característicos da governança no presidencialismo de coalizão, ao menos no primeiro ano, na percepção dos parlamentares da base, pareceram convergir para apontar ao governo as suas dificuldades (haja vista verbalizações de insatisfação com bolsonaristas que têm mais cargos, expressa por alguns membros da base).
A tabela a seguir apresenta as médias identificadas conforme a posição do parlamentar em relação ao governo.
Da gramática da relação entre os poderes, surge o texto presente, lido de uma forma meio consensual pela mídia e especialistas como um texto difícil. Espera-se encontrar na própria gramática (a rigor, a Constituição) elementos suficientes para superação das insuficiências e ineficiências a partir do próprio sistema – essa seria uma versão branda do mantra de que as instituições estão funcionando.
Vale recordar que a divisão dos poderes teve como objetivo originário a colocação de cada poder em xeque, de modo a evitar-se a exorbitância de um poder específico – poder controla poder. Daí que as tensões do processo não deveriam gerar muita apreensão, posto que inerentes ao sistema.
O fato é que os poderes se defrontam, cada um com uma linguagem própria. Às vezes aproximam-se, às vezes afastam-se dos modelos teóricos, que prescrevem comportamentos e ajustamentos em situações que não evoluem em razão da existência de princípios indestrutíveis. A divisão dos poderes foi uma decisão prudente, de um ponto de vista institucional, mas cobra um preço, que por vezes pode ser elevado, sobretudo em uma era de problemas complexos e coletivos, que demandam ação e não somente negociação.
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