Paulo Kramer
A cada novo pipoco provocado pela falta de transparência nas relações entre governo e interesses privados, volta à baila a questão da regulamentação dos lobbies, ou grupos de interesses organizados para influenciar as decisões do poder público.
No Congresso Nacional, a falta de empenho de lobistas e ‘lobados’ em encaminhar uma solução para o problema reflete-se na longa e inacabada tramitação do Projeto de Lei do Senado número 203, de 1989, do senador Marco Maciel (PFL/PE). Sua primeira versão, na verdade, foi apresentada em 1983, na estréia de Maciel na Casa.
O PL dispõe sobre o registro, perante as mesas de ambas as casas do Congresso, de pessoas físicas ou jurídicas que exerçam qualquer atividade tendente a influir no processo legislativo. Também está prevista a distribuição de credenciais de acesso aos registrados, bem como a definição dos seus limites de atuação. Para fiscalizar a atuação dos lobistas, o projeto exige que eles declarem seu capital social e receitas auferidas com suas atividade, além de uma detalhada prestação semestral de contas dos seus gastos.
A proposta levou seis anos para ser aprovada no Senado, de lá seguindo para a Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 6132/90 e permanece empacada até hoje.
É bem antiga a preocupação de Maciel em disciplinar os lobbies no Legislativo. No final dos anos 70, quando ocupou a presidência da Câmara, ele liderou reforma do Regimento Interno, instituindo, entre outras inovações, o credenciamento das assessorias parlamentares de ministérios, órgãos da administração federal indireta, entidades representativas de grau superior, inclusive sindicais (trabalhistas e patronais), autarquias e outras instituições civis de âmbito nacional. Hoje, segundo a Primeira-Secretaria da Câmara, há mais de 300 credenciados.
Esses lobistas concentram-se no Anexo II da Casa, onde estão as salas dos representantes dos ministérios, das agências reguladoras, dos bancos Central e do Brasil, da Caixa Econômica, do Ministério Público, e assim por diante.
Mais tarde, o credenciamento foi adotado pelo Senado. Marco Maciel considera, porém, que somente um marco legal amplo será capaz de prevenir e coibir alusos do poder econômico que distorcem o jogo da articulação de interesses legais, legítimos e, não raro, conflitantes, por meio de relatórios financeiros periódicos. Na crença pragmática de que “projeto bom é aquele que passa”, sua proposta limita-se ao Poder Legislativo, porque a extensão do seu escopo ao Executivo e ao Judiciário acarretaria inúmeras dificuldades técnicas, além de suscitar críticas a uma ingerência nos outros poderes.
A fonte de inspiração da proposta são leis norte-americanas, em especial o Federal Regulation of Lobbyng Act (sucessivamente emendado desde sua promulgação, em 1946). Os lobistas de Washington têm de fornecer às secretarias-gerais do Senado e da Câmara de Representantes sua identidade, endereço, nome da entidade, valor das receitas e despesas, bem como preencher dois tipos de relatórios: declaração de registro e as informações financeiras trimestrais.
Da década de 70 para cá, a multiplicação de leis e regulamentos destinados a cobrar mais transparência dos lobistas que operam tanto na capital quanto nos 50 estados americanos foi impulsionada, principalmente, por movimentos em prol da limitação das doações financeiras a campanhas de políticos aliados, grande ferramentas de influência a serviço dos lobistas. O teto para contribuições diretas a um candidato é de mil dólares por doador e por eleição. Mas continua muito difícil controlar a transparência de somas milionárias doadas aos dois maiores partidos.
Fundada em 1979, a American League of Lobbysts (ALL: www.alldc.org), maior entidade do setor, congrega centenas de empresas de relações públicas, escritórios de consultoria política e organizações profissionais e procura defendê-los do que considera rigor excessivo de certas propostas invocando a Primeira Emenda da Constituição. Ela protege a liberdade de expressão e o direito dos cidadãos de peticionar ao governo para reparar ofensas e injustiças.
Aqui ou acolá, na sociedade global do conhecimento e da informação, os lobistas reforçam sua respeitabilidade diante da opinião pública abastecendo o processo decisório (executivo ou legislativo) e a mídia com dados relevantes, precisos, tempestivos e dignos de crédito, numa confirmação do valor socioeconômico e ambiental dos seus pleitos. E não fazendo lobby contra a regulamentação do lobby.
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