Nas últimas semanas, o ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz tem contado a história que segue. Ele estava em casa quando recebeu o telefonema do reitor de uma faculdade particular dizendo que o auditório que ele pedira já estava reservado e que todos os alunos já estavam avisados do bate-papo que iam ter com ele. Agnelo tomou um susto: não tinha combinado nada com o reitor da tal faculdade. Além de não saber do tal bate-papo, havia ainda um problema incontornável: ele já tinha um compromisso marcado, inadiável, para a mesma hora da tal conversa com os alunos da faculdade.
Ensimesmado com aquela história, o ex-ministro, pré-candidato ao governo do Distrito Federal, procurou saber melhor do reitor como é que o tal auditório havia sido reservado. O reitor explicou que alguém ligara para ele dizendo que era assessor de Agnelo. O que é que aconteceu de fato? Quem telefonou para o reitor foi uma pessoa do grupo adversário ao de Agnelo. A ideia era marcar um compromisso ao qual Agnelo não iria. Ele ia furar, ia deixar os estudantes – eleitores em potencial – esperando. Eles iam ficar irritados e pensando seriamente em nunca mais votar em Agnelo nem para síndico do prédio. Estamos falando de adversários de Agnelo de outros partidos? Não, estamos falando de adversários de Agnelo dentro do próprio PT. Agnelo e o deputado Geraldo Magela disputarão uma prévia para saber qual dos dois tentará sair candidato pelo partido nessa conturbada sucessão do governador preso José Roberto Arruda.
Eu, particularmente, não duvido que Magela possa ter histórias semelhantes para contar. A ideia aqui não é tomar partido nessa briga interna, mas só mostrar até onde ela pode chegar. Na semana passada, Agnelo publicou uma carta aberta aos eleitores petistas explicando como é que foi que ele teve acesso prévio aos vídeos que o ex-secretário de Assuntos Institucionais do DF Durval Barbosa gravou incriminando Arruda. Agnelo continua embananado para explicar por que soubera dos vídeos e nada fizera. O impressionante é saber que Agnelo resolveu fazer a carta aberta porque companheiros de partido cochichavam pelos cantos dizendo que ele não podia ser candidato porque também tinha sido gravado por Durval. E impressionante também é saber que, como reação, espalhou-se que Magela também fora procurado para ver os vídeos antes. E que ele não devia entrar nesse jogo de acusações porque também teria coisas mal explicadas contra ele.
Este colunista não vai endossar nem proteger quem quer que seja. O que espanta é como um companheiro de partido pode virar, numa disputa interna, o mais perigoso, o pior dos inimigos de um político. O escândalo do mensalão de Arruda dá ao PT e à oposição uma chance imensa de retornar ao poder que perderam depois da derrota de Cristovam Buarque para Joaquim Roriz em 1998. Mas a chance pode estar sendo perdida por essa briga fratricida entre Agnelo e Magela. Que remete à briga que Tarso Genro e Olívio Dutra tiveram no Rio Grande do Sul em 2002. Que lembra a disputa que tiveram José Serra e Tasso Jereissati como pré-candidatos à Presidência pelo PSDB também em 2002. Ou a disputa que o mesmo Serra teve em 2006 com Geraldo Alckmin. Ou, finalmente, a pendenga que ele de novo, Serra, agora protagoniza com Aécio Neves. O resultado das brigas de Agnelo com Magela no DF ou de Serra com Aécio no PSDB para ver qual dos dois disputará a Presidência, nós ainda não sabemos qual será. Mas as outras citadas tiveram um único resultado: retumbantes derrotas dos seus protagonistas. A resposta é óbvia: toda vez que os partidos ficam nessa autofagia, perdem tempo e energia na disputa que de fato interessa, contra os seus adversários eleitorais.
O PT de Magela e Agnelo, com suas inúmeras tendências, é especialista nessas briguinhas autofágicas. Mas é curioso como conseguiu que elas, muitas e fortes regionalmente, nunca tenham contaminado as suas disputas presidenciais. De 1989 até 2006, não é difícil entender a razão. O candidato era sempre Lula. Com a força e o carisma que tinha, as candidaturas de Lula só eram questionadas de forma quase marginal. E quem questionou pagou punição pesada. Cristovam Buarque acabou demitido por telefone do Ministério da Educação. Eduardo Suplicy foi colocado numa geladeira eterna no Senado. Para o bem, Lula impunha-se como candidato, até um dia conseguir virar presidente. Para o mal, o PT nunca conseguiu construir alternativas próprias a Lula, para sucedê-lo com a mesma força.
Aí, entra a inteligência de Lula na escolha de Dilma Rousseff como candidata à sua sucessão. Antes da definição, e depois que os dois primeiros cotados – José Dirceu e Antonio Palocci – foram colhidos pelos escândalos pós-mensalão, anunciava-se uma briga feia entre as tendências petistas e suas apostas. Tarso Genro contra Marta Suplicy contra Patrus Ananias. A verdade é que se essa disputa interna entre os três fosse estimulada, esse quadro visto agora em Brasília poderia estar acontecendo em nível nacional. Dilma foi a solução encontrada por Lula para evitar essa briga.
Até outro dia, nem petista era ela. Não estava vinculada a nenhuma das tendências do partido. Mas, por isso mesmo, ficou mais fácil para ela herdar o aval de Lula. Como candidata, ela continua tendo todos os problemas que sempre teve: não tem experiência de campanha; tem um timbre de voz e uma postura arrogante e antipática; não tem traquejo; com uma criança no colo ou abraçando pobre em comício, ela fica tão deslocada quanto um padre no baile de carnaval do Gala Gay. Em compensação, ela tem a totalidade da militância do partido mais popular do país trabalhando inteiramente para ela. Distante das tendências, nenhuma delas tinha muito por que resistir a seu nome. E todas só enxergavam ali o presidente por trás. Assim, enquanto a oposição perde tempo nas querelas de Serra e Aécio, ela já está em franca campanha. Caminha, enquanto seus adversários estão parados. Se Dilma ganhar, Lula terá eleito um poste? É bem possível. Ele, porém, terá entendido o seguinte: poste não tem história político-eleitoral, mas também não tem adversário.
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