Ricardo Ramos e Diego Moraes
Rodeado por pilhas de papéis, relatórios e processos ainda por serem lidos em seu gabinete, o presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), dá uma idéia do quão longo promete ser o calvário para os 13 parlamentares ameaçados de cassação. Certeza mesmo só de que, até o início do próximo ano legislativo, os trabalhos do conselho ainda não terão sido concluídos. “Não termina. Não vai dar e eu acho que, com esses atrasos do José Dirceu (PT-SP), atrapalhou tudo”, afirma.
Pelo menos seis casos deverão ser votados pelo colegiado somente em 2006. A previsão é de que o julgamento político pelo Plenário só seja concluído após o carnaval. Izar acredita que, até 20 de dezembro, a comissão deve mandar para o plenário pelo menos sete dos 13 processos abertos contra os supostos beneficiários do mensalão.
No entanto, o petebista deixa claro que, para concluir os outros seis, terá de contar com a disposição dos colegas para trabalhar também nas férias. “Eu já pedi para o Aldo (Rebelo, presidente da Câmara). Isso está certo. Ele vai fazer uma autoconvocação sem remuneração nenhuma”, diz. A autoconvocação seria entre 10 de janeiro e 15 de fevereiro.
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Confessando-se aliviado por ver chegar ao fim o processo contra o ex-ministro da Casa Civil, o presidente do Conselho de Ética ameaça também recorrer ao STF caso o petista insista em protelar o julgamento político. “Eles podem recorrer à vontade. Mas nós também estamos preparados no sentido de, se for necessário, entrar no Supremo de modo inverso”, afirma. O recado, segundo Izar, vale para os demais que estão na fila dos cassáveis. “Não vai ter mais nada (com o STF) porque a pressão reduz depois da cassação do Dirceu”, considera.
“Você sabe que fralda de criança e sentença de juiz a gente nunca sabe de que cor vem. Mas eu tinha certeza de que ele (Dirceu) não conseguiria”, brinca. Desde o início do processo, o ex-ministro da Casa Civil conseguiu respaldo para validar dois mandados de segurança no Supremo. No último deles, o ministro do STF Eros Grau determinou a elaboração de um novo relatório para o processo do petista 55 minutos após a aprovação do texto no conselho.
PublicidadeO relator, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), sugeriu a cassação do mandato, com base em dados dos sigilos bancário e fiscal do petista. As provas, porém, foram obtidas diretamente com a CPI dos Correios, um procedimento irregular na avaliação do STF. Para o Grau, o conselho deveria ter emitido um pedido formal para a solicitação dos dados. Embora tenha discordado da determinação judicial, Izar reconheceu que Delgado se equivocou.
Recuperando o fôlego após reunião de terça-feira, quando o conselho absolveu o líder do PL, Sandro Mabel (GO), Izar abriu mão de alguns minutos para falar ao Congresso em Foco enquanto se preparava para se debruçar sobre outra pilha de documentos.
Antes de começar a conversa, uma surpresa: o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), cujo processo de cassação estava marcado inicialmente para ser votado na terça à tarde, irrompeu no gabinete. “Podemos conversar?”, perguntou Queiroz para um Izar constrangido, diante dos jornalistas. “Volte aqui daqui a pouco. Temos muito a conversar”, respondeu o correligionário, que poderia tê-lo notificado para a reunião de ontem no colegiado. Não o fez. Oficialmente, o petebista não foi encontrado pelo conselho e, por isso, só terá seu destino examinado pela comissão na próxima terça-feira. Com isso, o processo de Dirceu deve ser examinado pelo Plenário antes do parecer sobre Queiroz.
Congresso em Foco – Na avaliação do senhor, havia respaldo para pedir a absolvição do líder do PL, Sandro Mabel (GO)?
Ricardo Izar – No caso do Sandro Mabel, não tinha condições. Não encontraram prova alguma, a não ser palavra contra palavra. Quem assistiu à acareação saiu da reunião dando razão para os dois. Acareação não funciona. Nunca funcionou. E, realmente, você não pode condenar uma pessoa se não tem nada contra ela, se não tem provas de que ela errou. A imprensa em geral e a população acham que aqui nós somos um tribunal de exceção e temos que punir. Não é bem assim. Dos quatro processos que passaram por aqui, em três os relatores pediram a cassação – o do Roberto Jefferson (PTB-RJ), o do José Dirceu (PT-SP) e o do Romeu Queiroz (PTB-SP). E uma absolvição. Os outros virão, normalmente. Cada caso é um caso. Nós vamos analisar com muita independência e transparência. Acima de tudo, você tem que procurar a justiça. Então é isso que nós estamos procurando. Têm casos aí que, na minha opinião, vão até ter sentenças interessantes, fora de cassação e arquivamento. Têm outras coisas, como suspender o mandato por seis meses.
E como a opinião pública pode interpretar a absolvição de Sandro Mabel? Há risco de ser vista como o início de uma série de absolvições?
Acho que bem, viu. Talvez no começo, não interpretasse bem. Mas depois de tantas renúncias e sugestões de cassações, acho que se mostrou que o conselho está buscando a verdade. Você não pode querer agradar a opinião pública e a imprensa, porque a imprensa quer a cassação de todos.
Como serão os trabalhos do conselho daqui para frente?
Eu acho que tem muita coisa pela frente, mas os casos principais, que eram o do Roberto Jefferson e do José Dirceu, já estão resolvidos. O José Dirceu já está em fase final. Outros que eram gravíssimos renunciaram. O caso do Severino (Cavalcanti, ex-presidente da Câmara) era um que ia dar muita mídia. Ele sabia do rigor do conselho e, por isso, renunciou. O mesmo ocorreu com o Valdemar Costa Neto (PL-SP), Bispo Rodrigues (PL-RJ), o (José) Borba (PMDB-PR). Eles seriam cassados. É que a população não acha que isso (a renúncia) é punição.
Os recursos de Dirceu ao STF, com base no regimento interno da Câmara, são legítimos? É possível entendê-las como uma interferência do Judiciário no Legislativo?
Legítimo é a pessoa se defender. Agora, o que eu estranho algumas vezes, como essa última do ministro (do Supremo Tribunal Federal) Eros Grau. Eu acho que não tinha razão. Disseram que o conselho errou, mas não. O conselho não errou em momento algum.
Em nenhuma fase?
Em nada, nada. O processo foi muito claro. Eu liguei para o ministro para saber o que ele quer. Aí chamamos toda a assessoria técnica legislativa, a assessoria jurídica da Casa e todos analisaram e viram que era dúbio o que ele (Eros Grau) escreveu. Em suma, o que ele queria era a leitura do novo relatório. Foi feita a leitura. E já que é novo, eu vou conceder vistas para ela (Angela Guadanin). Não deveria conceder, mas eu vou conceder vistas. Porque lá no nosso regimento diz que só é permitido um pedido de vistas, mesmo que o relator modifique o relatório. Nós concedemos para não ter problemas. Agora eles vão recorrer de novo ao Supremo (Tribunal Federal). Deixa recorrer. E eu vou tentar fazer uma reunião com os ministros do STF para conversar, porque não pode isso.
Em algum momento, o conselho pensou em ignorar as determinações do STF?
Eu poderia, e alguns deputados me pediram isso, não obedecer ou nem levar em consideração o que o ministro Eros Grau sugeriu – porque ele sugeriu no embargo que se fizesse isso e aquilo para evitar uma nulidade futura. Então alguns falaram: “Não obedeça a nada, toca para frente, vamos para o pau”. Eu achei que não devia fazer isso. Decidi que vamos atender. De mau grado, mas vamos atender. E agora eu acho que não tem problema nenhum. Eles podem recorrer à vontade. Mas nós também estamos preparados no sentido de, se for necessário, entrar no Supremo de modo inverso. Nós já, preventivamente, vamos entrar e dizer que não vamos aceitar certas coisas.
E há respaldo jurídico para uma representação desse tipo?
Tem, agora tem. Eu não imaginava que eles iam interferir numa atitude interna do conselho. Isso aqui é um trabalho administrativo interno do conselho, não é da Justiça. Então, não pode haver interferência. Existe uma convivência harmoniosa com os poderes, mas o que vale é que não haja interferência entre um e outro. Nós votamos aqui (o relatório do caso Dirceu) e 55 minutos já estava pronto o parecer dele. Já foi pronto daqui.
O senhor tinha idéia de que o ex-ministro conseguiria, com a ajuda do STF, adiar por tanto tempo o processo de cassação do mandato dele?
Não, eu tinha certeza de que não conseguiria. Como foi o outro, que foi reunião plena e ele perdeu por 7 a 3. Mas esse não foi à reunião plena. É uma liminar que foi dada e a matéria ainda vai ser julgada. Teve até um deputado que falou para esperar ser julgada, fazer nossa defesa e mostrar os erros. Não, vamos tocar para frente. Vamos ver o que dá. Você sabe que fralda de criança e sentença de juiz a gente nunca sabe de que cor vem.
O relator do processo de Dirceu, Júlio Delgado (PSB-MG), errou na elaboração do parecer sobre o ex-ministro?
A única coisa que pode ter sido uma pequena falha, e que nós já suprimimos, foi a forma como ele pediu as provas. O erro que o STF alega é o seguinte: que o relator tem que pedir para mim, que sou o presidente, e o presidente tem que pedir de argumentador. O Júlio pediu direto, sem argumentar para o que ele queria. Esse foi o erro. Nesse ponto concordo que o Júlio errou. Na segunda-feira, quando veio a liminar, nós eliminamos tudo isso, tiramos do relatório. E aí eles não aceitaram.
São recursos ou medidas protelatórias?
Se você pensar bem, são protelatórias mesmo. Eles estão lutando por isso e, se eu estivesse no lugar deles, faria a mesma coisa. É o desespero para você se salvar, para mostrar que tem razão. No plenário, ele vai se defender mostrando as falhas do processo. E não houve falhas. Mas ele tem direito de se defender e vai buscar a defesa em todos os lugares.
E quanto aos outros processos? Podem demorar mais?
Vai ser difícil alguém vingar, porque uma falha como essa, pequena, eu não vou permitir. Primeiro, eu nem sabia disso. Ele pediu direto, quando veio eu disse: “Ótimo, está bom”. Mas agora está combinado. Tudo aqui tem de passar pela presidência e pela assessoria da presidência para evitar qualquer coisa. Mas não vai ter mais nada, até porque a pressão reduz depois da cassação de Dirceu.
Até quando o conselho vai trabalhar em cima dos parlamentares envolvidos com o mensalão?
Acho que até 20 de dezembro, pelo menos uns seis ou sete. Dois já estão prontos. São três que já vão para o Plenário na semana que vem. E já estão bem adiantados os processo do Pedro Henry (PP-MT) e do Professor Luizinho (PT-SP). O João Paulo (PT-SP) esteve aqui e disse que já quer depor. Está certo que nós vamos ficar um período de 20 dias sem julgamentos, mas depois começa um atrás do outro. Eu quero ver como a Mesa vai fazer, porque toda a quarta-feira vai ter julgamento.
As investigações terminam antes do próximo ano legislativo?
Não terminam. Não vai dar não. Acho esses atrasos do José Dirceu atrapalharam tudo, não só o dele. Começou lá com aquela liminar daqueles seis (parlamentares que conseguiram o direito de serem ouvidos pela Corregedoria da Câmara antes de responderem a processo no Conselho). Aquela liminar atrasou exatamente 15 dias, além das sessões por falta de quorum. Aliás, as sessões por falta de quorum, que a imprensa nunca entende, é por falta de quorum do plenário. E é só sessão ordinária. Extraordinária não vale.
Mas há risco de que elas se choquem com o período eleitoral?
Claro que não. Eu já pedi para o Aldo (Rebelo). Se eu não conseguir terminar, ele vai fazer uma autoconvocação, sem remuneração nenhuma, e um dos itens da pauta de trabalhos será o Conselho de Ética. Enquanto a gente não terminar, não termina a convocação extraordinária. Eu acho que pode fazer uma convocação do dia 10 de janeiro ao dia 15 de fevereiro. Nesse período eu liquido tudo.
E já há acordo para isso? O presidente da Casa já concordou?
Já concordou. Isso está certo, se eu não conseguir terminar o trabalho. E eu imagino que desses 13, eu tenho condições de terminar, até 20 de dezembro, pelo menos sete. Pelo menos.
E como o PTB, o partido do qual o senhor é filiado e que teve o presidente cassado e que tem um deputado ameaçado de cassação, sai de toda essa crise?
Eu estou gostando. Nós estamos mostrando aqui que o nosso trabalho é isento de qualquer coisa. Que é bem transparente e isso está ajudando o partido. E isso não afetou tanto o partido porque, quando aconteceu esse episódio com o Roberto Jefferson, estávamos todos com a intenção de ir para outro partido. Esperamos, a coisa foi se recuperando e a grande amostra disso é que, dos 49 que nós tínhamos, hoje nós temos 48. Não perdemos nada. Não saiu nenhum senador. Então, eu acho que a imagem está sendo recuperada.
Mas a sigla chega arranhada nas próximas eleições?
É. Nós vamos tentar fazer uma cirurgia para evitar qualquer marca disso aí. Um novo presidente, fazer um novo PTB, nos programas de televisão, mostrar um novo partido. Vamos procurar um presidente de cara nova, não podem ser os mesmos.
E já há algum nome em vista para assumir a presidência do partido?
Eu tenho, mas não digo (risos).
O PTB pretende apoiar o PT nas próximas eleições?
Difícil. Hoje nós somos independentes, embora tenhamos ainda um ministro (Walfrido Mares Guia). Mas um bom ministro. Nunca nós tivemos um Ministério do Turismo, mas o que ele está fazendo no turismo é uma brincadeira. Os números são uma beleza. Nunca o Brasil recebeu tanto dólar com o turismo como agora. E no ano que vem vai dobrar. Nós respeitamos o trabalho dele, mas estamos votando com muita independência. Todos os cargos que nós tínhamos no governo, fora o ministério, foram devolvidos. É apoio de governo. Não é apoio eleitoral. Lá na frente, vamos ver o que vai acontecer.
O partido não agiu de forma contraditória ao pedir a retirada das representações contra Dirceu e Mabel?
Foi um erro grave. Ninguém sabe por que fizeram isso até agora. Foi o Roberto Jefferson quem fez isso, mas ninguém sabe o porquê. Para tumultuar o processo talvez. Mas ninguém sabe explicar isso. O maior inimigo dele é o José Dirceu. E ele manda retirar? É um absurdo.
Mas a estratégia não contou com o apoio da cúpula do partido?
Do presidente. Individual. Eu estou meio afastado do partido, então para mim foi uma surpresa no dia que eles entraram.
Depois dessa série de processos e contratempos, o que é possível mudar nas regras do conselho para tornar mais ágeis os trabalhos futuros?
Nós vamos fazer uma reformulação no nosso regimento. Só agora nós sentimos que ele é omisso em diversos setores. Uma dessas omissões era essa – que agora está consolidada pelo Supremo – de que quando alguém entra com o processo não pode mais retirá-lo porque deixa de ser de interesse daquele partido, daquela entidade, para ser de interesse público, geral. Isso precisa ser colocado no nosso regimento. Há muitas outras coisas como prazos e vistas que não existem no nosso regimento. Em muitos momentos, consta que “fica a critério do presidente”. Não pode ser assim. Até tem alguns colegas que me chamam de rei. Então temos que mudar.
E como rei, é difícil ser árbitro?
Difícil, muito difícil. Eu estou sofrendo muito. Eu não fui eleito para ser julgador de colega. Mas quiseram que eu viesse para cá. Eu fui escolhido de uma maneira diferente. Todos os partidos se reuniram e me escolheram. Foi unânime. Então, não posso desmerecer essa confiança. Nós precisamos mostrar um trabalho bonito. E estamos fazendo.
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