Renata Camargo
Os cartórios do estado do Pará têm 30 dias para cancelar os registros de imóveis rurais do estado considerados irregulares. Uma decisão histórica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tomada nesta semana, determinou a anulação de registros suspeitos de serem frutos de grilagem. A determinação, no entanto, tem causado insegurança entre os envolvidos no processo.
Segundo o diretor do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Girolamo Treccani, ainda não se sabe sobre quais propriedades recairá a decisão tomada pelo corregedor do CNJ, ministro Gilson Dipp. O Conselho Nacional de Justiça fala em cerca de 5 mil registros de imóveis, mas, segundo Treccani, são mais de 9 mil registros em situação de irregularidade no estado e será preciso analisar melhor caso a caso.
“Essa é uma oportunidade histórica para provar a origem dos registros dos imóveis. Mas ainda precisamos ver efetivamente sobre quais propriedades recae a decisão. Se estiver acima de 2,5 mil hectares e for registrado nos últimos anos, é provável que se tenha problema”, disse Treccani.
De acordo com a decisão do ministro Dipp, o tamanho da terra não pode ser superior aos previsto pela Constituição vigente no momento do registro da propriedade. Em sua decisão, Dipp determinou o cancelamento de todos os imóveis com área superior a 10 mil hectares registrados de 1934 até 1964; com mais de 3 mil hectares registradas de 1964 até 1988; e com mais de 2,5 mil hectares a partir da Constituição de 1988.
Segundo Treccani, os proprietários com terras dentro desses padrões é que terão que comprovar agora a regularidade de suas fazendas. “O particular é que vai ter que provar que existe um documento legítimo na base de sua cadeia dominial. É possível fazer isso. Aqueles que comprovarem que seu documento está perfeito, continuam com o registro”, explicou Treccani.
Segundo o diretor, a insegurança entre os envolvidos no processo decorre do fato, especialmente, de ser uma decisão inédita e bastante complexa em termos de cumprimento. Treccani explica que, o mais recomendado, é que proprietários que tenham interesse em regularizar a sua situação recorram aos cartórios para evitar o cancelamento de seu registro.
“O que queremos é que provem que o Rei de Portugal deu aquela terra para o João da Silva, que vendeu para Maria, que deixou para seu herdeiro e etc., até chegar no atual proprietário”, explica o diretor, considerando que os registros falsos ficarão em evidência.
Combate à grilagem
A decisão do CNJ foi uma medida para tentar combater a grilagem no estado do Pará. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, no Brasil cerca de 100 milhões de hectares de terra são griladas, sendo que, desses, 30 milhões se localizam no estado do Pará.
A perda do registro, no entanto, não significará a retirada dos ocupantes da propriedade. Segundo o ministro Gilson Dipp, os que tiverem o registro de imóvel cancelado vão permanecer na posse até que a situação da terra seja regularizada. “A decisão foi apenas de cancelar a matrícula, ou seja, retirar do registro. Isso implica dificuldade de obtenção de crédito, de contratação com o poder público. Mas essas pessoas têm a posse da terra e lá vão permanecer”, afirmou.
A decisão do CNJ foi tomada a partir de irregularidades identificadas pela Justiça do Pará. Uma investigação feita por uma comissão de combate à grilagem composta por membros do Iterpa, do Incra, do Ministério Público e outras entidades, identificou que, pelo menos 84 municípios, dos 144 existentes no Pará, possuem propriedades com registro em situação irregular.
Os registros irregulares estão sob investigação da comissão há mais de quatro anos. Nesse período, a Justiça do Pará chegou a bloquear o registro de mais de 9 mil propriedades. Em 2009, a comissão solicitou ao Tribunal de Justiça do Pará o cancelamento de cerca de seis mil registros suspeitos. O TJ negou o pedido e a comissão recorreu ao CNJ.
Uma das situações mais gritantes ocorre no município de São Félix do Xingu, região conhecida pela intensa atividade pecuarista. Na região, 2.673 registros de propriedades foram bloqueados pela Justiça do Pará. Juntas, essas propriedades teriam área correspondente a mais de 22 milhões de hectares, num município de pouco mais de 8 milhões de hectares.
Muitos dos registros de imóveis nesse município têm em sua cadeia dominial o proprietário Jovelino Nunes Batista. Jovelino, suposto dono de cerca de nove milhões de hectares em São Félix, teria dividido suas terras e vendido a terceiros. Mas registros de nascimento e óbito no Pará indicam que Jovelino nunca existiu. O fato, descoberto pela Corregedoria-geral das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do estado, ficou conhecido com uma das maiores fraudes fundiárias do país.
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