O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, prometeu há poucos dias, no Congresso Nacional, uma “revolução” no sistema tributário brasileiro. Novas regras, a serem submetidas ao Legislativo no segundo semestre, ajudariam a inibir a sonegação, desonerar a cesta básica, elevar os investimentos e acabar com a guerra fiscal entre os estados. Menos, poderia dizer um cético observador dos impasses legislativos. Mesmo o otimista ficaria na pergunta: será que agora vai?
A resposta é muito menos econômica do que política. As reformas constitucionais perderam fôlego desde 2003. Logo depois de eleito, o presidente Lula ainda conseguiu a aprovação de mais uma etapa da reforma da Previdência, que estabeleceu regras mais rígidas para a aposentadoria dos servidores públicos. Em seguida, parece ter-se dado por satisfeito e tocou o governo.
O início do segundo mandato seria o momento ideal para retomar as grandes votações no Congresso. Presidente reeleito, alta popularidade, base razoavelmente satisfeita com a participação no governo… Mas Lula tem se esquivado, pelo menos por enquanto, de temas potencialmente polêmicos, como as reformas previdenciária, tributária e política. A reforma política deve ficar com o Congresso, disse ele. A previdenciária será discutida por um grande fórum. E a tributária, bem, esta pode até ser retomada, como indicou o secretário de Política Econômica.
Já leva mais de dez anos a discussão das ultrapassadas e injustas regras do sistema tributário brasileiro. Pouca gente concorda, pelo menos em público, com aberrações como a existência de 27 diferentes legislações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a burocracia de um sistema carregado de impostos indiretos. Se inibe potenciais grandes investidores, pela insegurança jurídica, também atrapalha a vida dos pequenos empresários, que precisam de regras mais simples (apesar dos avanços do Simples).
Na hora de substituir esse velho sistema por um mais moderno e justo, porém, ninguém até hoje conseguiu obter consenso. Costurar uma agenda comum para a União, os estados e os municípios provou ser uma tarefa política complexa. Aconteceu então o que os céticos previam: o longo descanso da reforma tributária – que chegou a ser dividida em várias pequenas reformas na Câmara.
Em recente discurso feito a prefeitos, Lula sinalizou que a proposta de reforma em tramitação no Congresso não interessava mais. Aparentemente, ele ajudava a enterrar mais um pouquinho o assunto. O presidente deixou uma porta entreaberta, porém, ao dizer que novas regras eram necessárias. Regras, ao que tudo indica, delineadas por Appy durante a audiência pública no Legislativo.
PublicidadeO sistema tributário idealizado pelo governo pode ser até um aperfeiçoamento daquele previsto nas propostas em tramitação no Congresso. Quem sabe represente mesmo uma revolução, como quer Appy. Para aprová-lo, porém, o governo precisará menos de guerrilheiros que de bons negociadores. O tempo do rolo compressor, que marcou os primeiros anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, já passou. O sucesso em votações complexas e polêmicas depende hoje muito mais da construção de maiorias consistentes, ainda que eventuais.
O ceticismo, quando se fala em reformas como a tributária e a política, tem sua razão de ser. Por muito tempo, temas assim caíram no esquecimento pelo simples fato de que ninguém levava a sério a possibilidade de se chegar a uma solução. O retrospecto negativo, porém, não pode ser um motivo de paralisia, especialmente no estabelecimento de regras que podem ajudar o país a atrair novos investimentos e a reduzir o desemprego.
Impasse político só se resolve com negociação. E negociação, nesse caso, atende pelo nome de transição. Todos os atores políticos de peso já parecem convencidos de que a reforma virá, um dia. Muitos a boicotaram até hoje para não perder receita ou poder. Somente uma transição politicamente negociada, com o estabelecimento de prazos maiores para a implantação de um novo sistema, poderá ajudar a recolocar em movimento a reforma. Muita gente vai reclamar, dizendo que as novas regras tributárias vão demorar muito a entrar em vigor. Sem negociação, porém, logo se poderá lembrar o que é o esquecimento.
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