Ricardo Ramos e Diego Moraes
A pouco mais de um mês de apresentar o seu relatório final, a CPI dos Correios caminha para deixar em aberto as investigações de um dos braços públicos que podem ter abastecido o valerioduto: o contrato de publicidade da Eletronorte com a DNA Propaganda, agência do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Levantamento do Congresso em Foco, com base em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), aponta que mais de 10% dos repasses da estatal para a agência de Valério estão sob suspeita.
A quebra de sigilo bancário do empresário mostra que a DNA recebeu R$ 43,8 milhões da companhia elétrica entre 2001 e 2005. Desse montante, R$ 4,8 milhões foram pagos sem cobertura ou fora das normas contratuais. O TCU apontou que, do total de pagamentos suspeitos efetuados pela Eletronorte à empresa de Valério, pelo menos R$ 566 mil foram claramente irregulares. As conclusões constam de relatório enviado pelo tribunal à comissão, mas, até o momento, ninguém da estatal foi convocado pela CPI.
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Ao longo das 76 páginas, os auditores do tribunal listam 22 irregularidades no contrato de publicidade da Eletronorte. Entre os principais problemas detectados, estão o recebimento de comissão pela DNA sem a prestação de serviços, o superfaturamento de materiais e serviços, a apresentação de propostas fraudulentas para respaldar subcontratações, a concessão de patrocínios fora da alçada do contrato e a fiscalização deficiente realizada pela própria estatal (veja lista).
Em junho de 2004, por exemplo, a Eletronorte contratou, por intermédio da DNA, uma editora de São Paulo para a impressão de 5 mil exemplares do livro Peixes do Baixo Rio Tocantins. A agência de Valério fez pesquisa de preço em três editoras e escolheu, por R$ 29,31 por exemplar, a vencedora. O valor final do contrato ficou em R$ 146 mil e a DNA ficou com 6% dos repasses, a título de comissão por essa subcontratação.
Entretanto, auditores do TCU fizeram um levantamento próprio e constataram que, em agosto de 2005, a mesma editora cobrava R$ 23,65 para produzir uma unidade do mesmo livro – diferença que derrubaria o custo do contrato para R$ 118 mil. A auditoria revelou também que a editora contratada por Valério trabalha com um dos preços mais altos do mercado gráfico. Em uma gráfica de Brasília, considerada de ótimo padrão, a impressão dos 5 mil livros sairia por R$ 14,52 a unidade. Ao todo, o custo seria de R$ 72,6 mil – menos da metade do que pagou a estatal.
PublicidadeSobre a auditoria do TCU, a Eletronorte, por meio da assessoria de imprensa, informou que “somente se manifestaria no fórum e nos momentos adequados, uma vez que qualquer manifestação fora do contexto jurídico e legal pode tumultuar o processo de defesa dos citados”.
A estatal também contestou o valor total pago indevidamente à DNA Propaganda. Segundo a empresa, teriam sido exatos R$ 366.606,25 o total de recursos repassados irregularmente para a agência de Valério. Os resultados da auditoria foram convertidos recentemente pelo TCU em tomada de contas especial, tipo de investigação interna para ressarcir os cofres públicos por eventuais prejuízos durante a gestão do contrato.
A Eletronorte é a quinta maior depositante nas contas de Marcos Valério e figura em terceiro lugar entre as entidades públicas – atrás apenas do Banco do Brasil e da Secretaria de Fazenda do Distrito Federal. Assinado em 2001, o contrato com a DNA foi interrompido no dia 18 de julho de 2005, logo após as primeiras denúncias de irregularidades.
Outras suspeitas
Além das suspeitas levantadas pelo TCU, a Polícia Federal, a Receita Federal, a Polícia Civil e o Ministério Público Estadual mineiro abriram frentes de investigação que respingaram no contrato da Eletronorte.
No meio do ano passado, uma ação da polícia mineira apreendeu notas fiscais frias emitidas pela DNA para várias empresas públicas, entre elas a Eletronorte. O Ministério Público de Minas abriu investigação com base nessa papelada. Posteriormente, perícia feita pela Polícia Federal revelou que essas notas foram emitidas para justificar o pagamento por serviços não prestados. Segundo a PF, uma das notas fraudadas da agência, no valor de R$ 12 milhões, havia sido usada como garantia para obter empréstimo no BMG, em 2003. À época, a DNA e a Eletronorte negaram ter oferecido o contrato como garantia.
Checagem
Para confirmar se a empresa abasteceu o valerioduto, os integrantes da CPI dos Correios requisitaram informações da estatal sobre a DNA. No dia 1º de dezembro, foi aprovado um requerimento de autoria de quatro senadores na CPI cobrando as informações. Eles querem a descrição de cada pagamento efetuado pela estatal, sua aplicação e as cópias das notas fiscais dos serviços prestados por empresas terceirizadas.
Com as notas fiscais, os integrantes da CPI poderão saber quais serviços foram efetivamente prestados pela DNA para a estatal. Mas, até o momento, a empresa não encaminhou a documentação. Um dos autores do requerimento, Álvaro Dias (PSDB-PR), critica a demora no envio dos documentos. “Isso atrasou o processo de investigação.”
Sem revelar se a documentação de fato chegou à CPI, a assessoria da Eletronorte reconhece que pode ter havido atraso no envio à comissão de dados referentes ao contrato com a DNA, já que “tal documentação estava sendo analisada simultaneamente por várias auditorias”.
Para Álvaro Dias, dificilmente a CPI fechará as lacunas sobre os pagamentos da Eletronorte à agência de Valério. “Não há tempo para investigar. No fim, não chegaremos a valores exatos, e as informações vão sobrar para o Ministério Público”, admite o senador. A auditoria privada feita nas contas das empresas de Valério, recorda o tucano, pode apontar eventuais irregularidades nos repasses da estatal para Valério.
O sub-relator de Movimentação Financeira, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), também apresentou requerimento para saber da Receita Federal quais foram as providências adotadas pelo Fisco em relação às notas frias emitidas pelas empresas de Valério, apreendidas pela polícia mineira e que passaram por perícia da PF. O pedido, contudo, ainda não foi aprovado.
Ainda há tempo
Apesar de integrantes da CPI reconhecerem que as suspeitas acerca da Eletronorte podem ficar de fora das investigações, parlamentares afirmam que ainda é possível avançar mais no caso. “Há tempo ainda para investigar a Eletronorte. Faltam 60 dias para o fim da CPI. É só querer”, alerta o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).
Faria de Sá apresentou ontem um requerimento para convocar dirigentes da estatal envolvidos na administração do contrato. A solicitação pode ser apreciada na reunião administrativa da CPI de hoje.
Mesmo com o tempo exíguo, Gustavo Fruet também defende o aprofundamento das investigações em relação à estatal. “Acho que a CPI deveria convocar os ex-diretores da Eletronorte”, afirmou. “Se há suspeitas, temos que esgotar, até para dar o direito de defesa aos ex-dirigentes”, completou.
O sub-relator de Contratos da CPI, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), admitiu não ter aprofundado as investigações sobre o contrato de publicidade da DNA com a Eletronorte. “Nem li esse relatório”, declarou. “Não vai dar tempo para investigar todos os contratos de publicidade de Valério”, completou, ao dizer que, até o momento, tem priorizado as investigações sobre irregularidades nos Correios e no Banco do Brasil. Os auditores do TCU concluíram a auditoria em setembro de 2005. Logo depois, cópia dela foi encaminhada à CPI.
Cardozo deve se reunir nos próximos dias com a equipe técnica da CPI para decidir se há necessidade de ouvir algum funcionário ou ex-dirigente da Eletronorte.
O relator-adjunto da comissão, deputado Maurício Rands (PT-PE), considerou que o valor dos repasses suspeitos é alto. Rands disse que pedirá a Cardozo “mais atenção” ao caso da estatal. “Não pode ter a ilusão de que a CPI vai investigar tudo, mas essa história da Eletronorte tem indicativos suspeitos”, afirmou.
Assim como Cardozo, o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), vai analisar com a equipe técnica da comissão as informações sobre o contrato de publicidade da estatal. Serraglio pode apoiar a convocação de dirigentes da estatal. “Estamos vendo o que dá para fazer. Vamos saber quem é preciso ouvir da Eletronorte”, informou.
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