Época
Uma sombra no oceano
Não fomos feitos para voar. Mesmo assim, depois de milênios em que tentamos sem sucesso imitar os pássaros, no século passado conquistamos os céus graças a nosso engenho. Voar se tornou um fato corriqueiro e necessário na vida de um planeta cada vez mais integrado. Mas ainda há um quê de mistério e maravilha a cada voo que sobe ou desce. Um avião é algo improvável. E ninguém percebe isso com tanta clareza quanto aqueles que os pilotam. “O voo é totalmente inatural, aliás, para nós é a coisa mais inatural que existe, e o medo com relação a isso é saudável e coerente”, escreveu o italiano Daniele Del Giudice no livro Quando a sombra descola do chão, um relato de seu aprendizado como piloto. “Inatural e artificial, o voo era uma dimensão extrema da probabilidade, tão estreita quanto a pequena margem de inclinação lateral ou vertical em que um avião ainda é um avião em voo.” O mistério que cerca essa improbabilidade do voo se desfaz, porém, a cada avião que deixa de ser um avião – e despenca feito um bólido.
Foi o que aconteceu na madrugada da última segunda-feira com o voo 447, da Air France, do Rio a Paris. Ele caiu no oceano, no caminho entre o Brasil e a África, além de Fernando de Noronha. Até o fechamento desta edição, prosseguiam as buscas pelos destroços e pelos restos mortais dos 216 passageiros e 12 tripulantes. Com o auxílio de equipamentos como o minissubmarino francês Nautile, o principal alvo das buscas eram as caixas-pretas do Airbus A330-200, capazes de reproduzir os últimos minutos a bordo do voo 447.
Por enquanto, a única certeza sobre a tragédia é contada pela história de quem estava a bordo e pelos informes automáticos que o avião transmitiu à companhia aérea.
Lula fortalece e aumenta os votos para Dilma
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um patrimônio invejado por qualquer político. Em meio a uma crise econômica que abala reputações, Lula é um dos governantes mais bem avaliados do mundo. Na semana passada, dois institutos de pesquisa mostraram que a crise não o afeta.
De acordo com a CNT/Sensus, 81% dos entrevistados consideram “positivo” o desempenho pessoal de Lula. Segundo o Datafolha, 69% dos entrevistados consideram o desempenho de Lula “ótimo/bom”. O excelente resultado se tornou melhor ainda por causa de um detalhe. A aprovação pessoal de Lula havia caído em março, devido à chegada dos primeiros efeitos da crise ao Brasil. Agora, as pesquisas mostram que as medidas anticrise tomadas pelo governo – e seu eficiente trabalho de comunicação para mostrar que está trabalhando – ajudaram Lula, em três meses, a recuperar os índices de popularidade anteriores.
A um ano e meio de deixar o poder, Lula está usando esse patrimônio para fazer a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua sucessora. Desde que deixou clara sua preferência em 2010 pela candidatura de Dilma, uma personagem da política que nunca disputou uma eleição, o presidente subiu ao palanque e fez de tudo para expô-la em viagens pelo país. Tem dado certo. Segundo o Datafolha, 41% dos entrevistados afirmam que poderiam votar em um candidato bancado por Lula. Isso não quer dizer, necessariamente, que os eleitores votariam em Dilma porque ela é a “candidata de Lula”. Significa que o patrocínio de Lula faz com que o eleitor pare para prestar atenção em Dilma – um feito considerável. O apoio de Lula e a exposição deram impulso inegável à candidatura de Dilma. A intenção de voto em Dilma cresceu de 11% em março para 16% agora, no cenário em que ela enfrenta o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), segundo o Datafolha. Na pesquisa CNT/Sensus, na disputa com Serra, Dilma subiu de 16% para 23%.
A alta deixa Dilma em boa posição para enfrentar o desgaste dos próximos meses. Ela vai passar por um tratamento de quimioterapia para eliminar os riscos de reincidência de um câncer linfático.
As incertezas proporcionadas por seu estado de saúde são compensadas pela veemência do apoio de Lula. Esse apoio também cria dificuldades para os adversários. Diante da exposição de Dilma como candidata e da sua ascensão nas pesquisas, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), passou a ser pressionado a assumir sua candidatura. Serra resiste. Na semana passada, ele afirmou que “ainda vai passar muita água embaixo da ponte”, ao se referir à alta de Dilma nas pesquisas e à precocidade do debate eleitoral. Um dos problemas de Serra é que ele ainda não conseguiu unir o partido em torno de seu nome. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), insiste em sua candidatura ao Planalto e quer a antecipação da escolha do nome dos tucanos para entrar na disputa com Dilma.
Veja
A dor, o medo… e os números
Nada do que se vai ler aqui consola quem perdeu um filho, o pai, a namorada, o marido ou toda a família na queda do Airbus da Air France que fazia o voo 447 entre o Rio de Janeiro e Paris no domingo passado. O que vai pelas próximas doze páginas procura mostrar que os mais espetaculares avanços tecnológicos, as expectativas e ambições mais justas, as apostas de vida e carreira mais acertadas, os relacionamentos mais recompensadores podem desaparecer em questão de minutos.
Mostra também que para os que ficam se inicia uma repentina e não planejada jornada interior em busca de uma explicação para suas perdas, algo que vai levá-los a questionamentos e a incursões cada vez mais profundas nos labirintos da alma onde moram a religiosidade, o afeto e as lembranças indeléveis, tudo o que humaniza e dá sentido à vida.
No mundo exterior dos familiares das vítimas começa também a frenética e disciplinada busca dos corpos e das partes do avião que possam ser estudadas para reconstituir a tragédia e evitar que ela se repita.
As pessoas voam por necessidade, comodidade, por prazer e pela segurança proporcionada por esses canudos de alumínio impulsionados por turbinas alimentadas a querosene capazes de levar uma massa de 200 toneladas à velocidade de 900 quilômetros por hora. Em um dia qualquer, 13 milhões de pessoas cortam os céus do planeta a bordo de jatos comerciais. Essa metrópole voadora só perde em população para Mumbai e Xangai.
Os números mostram que esses 13 milhões de terráqueos voadores estão mais seguros do que os pedestres parados em uma esquina noturna do Rio de Janeiro, de São Paulo, atravessando a rua em Nova York, ou, como gostam de lembrar os pilotos, eles correm menos riscos do que um pacato apicultor, já que mais pessoas morrem a cada ano vítimas de picadas de abelhas do que em desastres aéreos.
Ocorre que a dor e o medo são processados em áreas do cérebro bem distantes daquelas que analisam os números. E, mesmo informados de que o acidente do AF 447 é o primeiro naquela rota em sessenta anos, os passageiros continuarão tendo medo de voar, a estremecer de pavor durante as turbulências e a rezar para que os pilotos lá na frente evitem aquele trecho de tempestades fatídicas do céu sobre o Oceano Atlântico.
Ele existe, é bom que exista, mas a maior parte ainda está no papel
É muito provável que o cidadão que corre os olhos pelas páginas dos jornais tenha mais dúvidas do que certezas a respeito do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Afinal de contas, a algaravia em torno do assunto embaralha até mesmo quem se dispõe a ler com atenção redobrada o noticiário sobre ele. Os políticos de oposição dizem que o maior projeto do PAC é lançar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, coordenadora do programa, à Presidência da República. De acordo com esses críticos, o PAC não passa de uma sigla publicitária a englobar obras que, em sua esmagadora maioria, já vinham sendo executadas por empresas estatais ou tocadas pela iniciativa privada.
O Planalto estaria, assim, se apropriando de esforço alheio. Já os defensores do PAC afirmam que seu grande mérito é justamente organizar os investimentos em infraestrutura e permitir que sejam acompanhados com lupa. Eles acrescentam que, graças a tal monitoramento, as obras apresentam um altíssimo nível de realização, ecoando dados que aparecem nos balanços periódicos do governo. VEJA foi a campo para ver de perto os canteiros espalhados pelo país. Além disso, analisou os números oficiais, para esclarecer de onde vem o dinheiro que sustenta o programa e quanto de seu planejamento foi cumprido até agora. Passados três meses de investigação jornalística, conseguiu-se obter um retrato bastante nítido.
A primeira conclusão é que a parcela do PAC efetivamente paga pelo governo é minúscula. O programa, lançado em 2007, contempla investimentos de 646 bilhões de reais, que deveriam ser realizados até o fim do ano que vem. Em dois anos e meio, o governo desembolsou, por meio do Orçamento da União, apenas 22,5 bilhões de reais, ou 3,5% do total. Esse número pode surpreender, mas o governo nunca pretendeu entrar com a maior fatia do bolo. Números obtidos junto à Casa Civil mostram que, do total de dinheiro anunciado para o programa, apenas 14% saem diretamente do Tesouro. Quem ficou responsável pela maioria das ações, de fato, foram as empresas estatais – em especial, a Petrobras –, os governos estaduais e municipais, que tomam financiamentos no BNDES e na Caixa Econômica Federal, e a iniciativa privada.
Carta Capital
‘Um escândalo mundial’
Primeiro ministro do Meio Ambiente do Brasil, durante o governo Itamar Franco, o economista e diplomata Rubens Ricupero está acostumado a lidar com os impasses entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O dilema também fazia parte de sua rotina na Unctad, a agência de pesquisa e planejamento ligada à ONU que ele presidiu de 1995 a 2004.
De olho no debate atual e na pressão sobre a legislação ambiental, Ricupero considera que o País corre o risco de perder uma parcela do prestígio político que o habilita a ser protagonista em foros internacionais. “Esses projetos de lei, se aprovados, significarão um escândalo mundial, pois vão ocorrer no pior timing possível, em um momento em que os EUA estão dispostos a mudar de orientação.”
CartaCapital: O Brasil lida bem com as questões ambientais?
Rubens Ricupero: Houve um avanço expressivo na conscientização da sociedade e no nível de institucionalização do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente. Contudo, esse avanço não correspondeu a uma eficácia na solução dos grandes problemas ambientais. Com altos e baixos, o desmatamento da Amazônia infelizmente prossegue. Os meios para evitar que isso aconteça, para prevenir, para chegar ao local do desmate, continuam muito precários. As multas são aplicadas mas não pagas. O mais grave é que no momento a gente vê no Congresso iniciativas que, se vitoriosas, seriam um retrocesso muito sério.
CC: O senhor poderia dar exemplos?
RR: O licenciamento ambiental é um exemplo. Querem tirar o licenciamento da esfera federal e passar aos estados e municípios. Outro ponto é o índice de preservação da floresta nativa, que a bancada ruralista quer diminuir de 80% para 50%, no caso da Amazônia. Como explicar que essa maior consciência não tenha uma repercussão no sistema político? Refiro-me ao Executivo, aos ministros dos Transportes, Energia, Agricultura, mas também ao Congresso e à Justiça. A exceção aí é o Ministério Público, o único a atuar com consciência ambiental.
‘Bah, Tarso. Tu é o cara!’
Num encontro de mobilização do PT no final de semana passado, José Eduardo Cardoso (PT-SP), que atualmente namora a deputada gaúcha do PCdoB, Manuela Dávila, e por isso já está sendo considerado meio gaúcho, saiu-se com essa: “Bah, Tarso. Tu é o cara!” Pesquisa da Folha de S. Paulo desta semana parece sustentar a opinião do deputado paulista. O instituto DataFolha identificou o ministro na liderança para o governo do Estado em todos os cenários.
Os números são pesados para a candidatura de Germano Rigotto. O candidato peemedebista da Serra Gaúcha perde feio para Tarso Genro. Mas não são muito melhores para José Fogaça. O prefeito de Porto Alegre também perde para Tarso por uma margem que oscila entre 6 e 7% dos votos, dependendo do cenário. E, no caso, o mais importante é que num cenário repetido, a margem pró-Tarso ampliou-se de 3 para 6%, fugindo da margem de erro.
Kassab X Marta de novo?
Em São Paulo dá-se de barato que o ex-governador Geraldo Alckmin será o candidato da coligação PSDB/DEM à sucessão estadual no ano que vem. Desde a jogada de mestre do governador José Serra em janeiro passado, quando o retirou das cinzas para colocá-lo no pomposo cargo de secretário do Desenvolvimento de seu governo.
O fantasma do momento
A duração e a profundidade da crise econômica mundial ainda divide os especialistas, mas o seu efeito sobre a confiança dos consumidores em todo o planeta é bastante nítido: o desemprego, que era apenas a quarta maior preocupação global há dois anos, atrás de violência, pobreza e corrupção, consolidou-se como o tema que mais atormenta a população.
Esta é a principal conclusão da quinta edição do Global@advisor, levantamento semestral realizado desde maio de 2007 pela Ipsos, empresa multinacional de pesquisa de origem francesa, para medir o nível de confiança de consumidores de 23 países ao redor do globo. O relatório com as conclusões do questionário aplicado pela internet a 23 mil pessoas, em abril de 2009, será divulgado mundialmente no sábado 6 de junho e foi obtido com exclusividade por CartaCapital.
É a primeira vez que um dos assuntos da agenda global, reunião dos grandes temas que merecem a atenção da população, é citado por mais da metade dos entrevistados: 53% disseram ser a falta de emprego o assunto que traz mais preocupação no dia a dia. Na comparação com maio de 2007, data de divulgação da primeira pesquisa, um terço dos entrevistados colocava o desemprego como fator preocupante, total que subiu para 42% na quarta edição do levantamento, realizada em novembro de 2008 e, portanto, já sob os efeitos consolidados da tormenta financeira global.
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