Ricardo Ramos e Diego Moraes
Na tentativa de chegar o menos ferido possível às eleições de outubro, o PT protocolou ontem um relatório paralelo ao texto final da CPI dos Correios. Entre vários outros pontos, o parecer alternativo derruba a tese do relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) de que houve mensalão no Congresso, retira os pedidos de indiciamento dos ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken e insiste na idéia de que o valerioduto nasceu em ninho tucano.
O alicerce principal do texto paralelo é a negação de que os recursos do esquema operado pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza foram usados para comprar o apoio de parlamentares ao governo. Segundo o relatório petista, o dinheiro do valerioduto foi repassado a deputados apenas para quitar dívidas de campanha contraídas em 2002.
"Não se está aqui defendendo a legalidade do ‘caixa dois’. Trata-se de prática que deve ser condenada, e por tal razão que defendemos a maior transparência das contas de campanha, e limitação dos gastos", diz o relatório. "Mas afirmar que o caixa 2 seria o fantasioso ‘mensalão’, sem quaisquer provas para tanto, compromete o esforço da CPMI de aperfeiçoamento das estruturas políticas e da vida pública, e transforma a CPMI em manobra eleitoreira e demagógica."
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Sem a idéia do mensalão, os petistas defendem que não houve corrupção na Câmara e sugerem a retirada dos pedidos de indiciamento de José Dirceu e Luiz Gushiken. Os dois são apontados como articuladores do suposto esquema de apoio ao governo em troca de mesadas. Como o PT defende que essa transação nunca existiu, sustenta que os dois não podem ser indiciados por corrupção ativa, como propôs Serraglio.
Anteontem, o relator alertou que se a tese do mensalão for posta abaixo, pode jogar a responsabilidade do valerioduto sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque a campanha dele à presidência em 2002 teria recebido ilegalmente recursos das contas de Marcos Valério. De acordo com a legislação eleitoral, o candidato é o único responsável pelas finanças de sua campanha.
PublicidadeO relator-adjunto da CPI dos Correios, deputado Maurício Rands (PT-PE), classificou como "infeliz" a declaração do relator. "Não há uma conexão lógica nessa afirmação", rebateu o petista, que articula a votação do texto alternativo da CPI.
Janene de fora
O relatório do PT abranda a responsabilidade dos deputados listados como beneficiários do valerioduto. Não sugere indiciamentos, mas sim uma avaliação de conduta. Na lista dos citados, é excluído até o nome do ex-líder do PP José Janene (PR), que teria recebido R$ 4,1 milhões das contas de Valério.
Em contrapartida, o relatório paralelo sugere que sejam investigados os deputados mineiros José Militão (PTB), Custódio Mattos (PSDB) e Romel Anízio (PP), que não aparecem no relatório de Serraglio mas são apontados como beneficiários do caixa dois montado pelo PSDB em Minas Gerais com recursos do valerioduto.
O esquema financiou parte da fracassada campanha do hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) à reeleição ao governo do estado em 1998. No relatório, os petistas fazem questão de reforçar que essa foi a inauguração do valerioduto e pedem o indiciamento de Cláudio Mourão, tesoureiro tucano na época, por corrupção ativa. "A gênese do esquema (…) tem suas raízes em 1997 e 1998", diz o texto petista.
O relatório encaminhado pelo PT é repleto de frases de efeito. "Devemos transmitir essas informações a toda a cidadania. (…) Não nos é lícito silenciar diante de tantos delitos e tantas omissões delitivas. Quando sabemos, não nos é dado o direito de dissimular o conhecimento dos fatos", diz o relatório.
Em outro ponto, o partido minimiza as operações feitas por Delúbio para quitar as dívidas do partido e repassar dinheiro para a base aliada. "(…) As prestações de contas apresentadas pelo partido à Justiça Eleitoral referente às eleições de 2002 não incluíram algumas receitas e despesas que a lei determina que sejam registradas", diz o texto.
O que o PT quer mudar no relatório de Serraglio:
Indiciamentos
O PT propôs a retirada das sugestões de indiciamento dos ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken. Serraglio os enquadrou por corrupção ativa por considerar que eles tiveram participação no esquema do mensalão. Os petistas defendem que houve apenas caixa dois, em vez de pagamento de mesadas a deputados. Por isso, sustentam que não houve corrupção ativa.
Quanto aos outros indiciados, o relatório paralelo propõe as seguintes mudanças:
Marcos Valério – O PT propôs indiciar o empresário mineiro por falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, tráfico de influência, supressão de documento, fraude processual, crimes contra a ordem tributária e atos de improbidade administrativa. O texto petista isenta Valério de ser investigado por corrupção ativa, por sustentar que o mensalão não existiu. O empresário é apontado como operador do esquema.
Delúbio Soares – O relatório dos petistas sugere que o ex-tesoureiro seja indiciado por corrupção ativa, crime eleitoral (que já está prescrito) e crime contra a ordem tributária. Além desses crimes, o relatório final da CPI propunha que Delúbio fosse indiciado também por falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e peculato.
Claúdio Mourão – O relatório de Serraglio propunha apenas o indiciamento do ex-tesoureiro do senador tucano Eduardo Azeredo (MG) por crime eleitoral. Sedentos por atribuir a invenção do valerioduto ao PSDB, os petistas pediram o indiciamento dio senador também por corrupção ativa e crimes contra a ordem tributária.
Rogério Tolentino – O relatório original da CPI pedia o indiciamento do advogado de Valério por falsidade ideológica e também por lavagem de dinheiro. O texto do PT sugere apenas o indiciamento pelo primeiro delito.
Simone Vasconcelos – A ex-funcionária de Marcos Valério, acusada de distribuir dinheiro do valerioduto a deputados de Brasília, seria indiciada, pelo texto de Serraglio, por lavagem de dinheiro e corrupção ativa. Novamente, por não acreditar na tese do mensalão, o PT retirou as duas sugestões. No lugar, pediu o indiciamento por crime contra a ordem tributária e por falso testemunho, por dizer à CPI que entregava mesadas a parlamentares que, supostamente, eram pagas em troca de apoio ao governo no Congresso.
Cristiano Paz – O texto do PT sugere o indiciamento do sócio da agência SMP&B por supressão de documento, lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem tributária. O texto de Serraglio sugere o indiciamento por lavagem de dinheiro e corrupção ativa.
Ramon Hollerbach Cardoso – Sócio da empresa 2S Participações, também de Valério, é acusado por Serraglio de lavagem de dinheiro e corrupção ativa. O texto dos petistas exclui o parágrafo sobre corrupção ativa e sugere o indiciamento por crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro.
Enivaldo Quadrado – Sócio da corretora Bônus-Banval, teve indiciamento sugerido pelo PT por lavagem de dinheiro. O texto de Serraglio previa, além disso, indiciamento por corrupção ativa.
Henrique Pizzolato – O PT sugere o indiciamento do ex-presidente do Banco do Brasil por lavagem de dinheiro, peculato e improbidade administrativa. O texto do relator pedia o indiciamento por falsidade ideológica no lugar de improbidade administrativa.
Mensaleiros
Ao contrário de Serraglio, os petistas não sugerem o indiciamento dos deputados acusados de receber dinheiro do valerioduto em troca de apoio ao governo no Congresso. O relatório paralelo chega a retirar nomes de congressistas apontados como beneficiários dos recursos repassados pelo empresário mineiro, como o ex-líder do PP na Câmara José Janene (PR), acusado de receber R$ 4,1 milhões.
Por outro lado, o relatório petista inclui os deputados mineiros José Militão (PTB), Custódio Mattos (PSDB) e Romel Anízio (PP), supostos beneficiários do caixa dois tucano alimentado pelo valeriodito em 1998.
O PT defende que não há provas de que o esquema tenha existido. Por isso, sugere apenas que o Ministério Público investigue, "para fins de avaliação de conduta", os parlamentares cujos nomes aparecem como sacadores das contas de Valério.
O relatório paralelo sustenta que esse dinheiro foi retirado para caixa dois de campanha eleitoral e não para convencer parlamentares a darem apoio ao Planalto.
Confira os nomes que, segundo o PT, devem ser investigados pela Justiça:
Ex-deputado Valdemar da Costa Neto (PL)
Ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ)
Ex-deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ)
Ex-deputado José Borba (PMDB-PR)
Ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA)
Ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE)
Deputado Pedro Henry (PP-MT)
Deputado Sandro Mabel (PL-GO)
Deputado João Magno (PT-MG)
Deputado João Paulo Cunha (PT-SP)
Deputado José Mentor (PT-SP)
Deputado Josias Gomes da Silva (PT-BA)
Deputado Professor Luizinho (PT-SP)
Deputado Romeu Ferreira Queiroz (PTB-MG)
Deputado Vadão Gomes (PP-SP)
Deputado Roberto Brant (PFL-MG)
Deputado Vanderval Santos (PL-MG)
Deputado José Militão (PTB-MG)
Deputado Custódio Mattos (PSDB-MG)
Deputado Romel Anízio (PP-MG)
Sem nome aos bois
O relatório petista exclui os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken do rol de indiciados e os coloca na ala das autoridades passíveis de investigação. O texto paralelo sugere que o Ministério Público apure, ainda, irregularidades atribuídas ao ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas e ao ex-chefe de gabinete da liderança do PP João Cláudio Genu e a Paulo Roberto Menicucci.
O texto sugere também que a Justiça investigue e aponte os diretores dos bancos Rural e BMG que possivelmente tenham envolvimento no valerioduto. O texto de Serraglio, por outro lado, sugere nomes de diretores das duas instituições que devem ser indiciados pelo Ministério Público.
Daniel Dantas
Embora tenha se posicionado contra o indiciamento do lobista Nilto Monteiro – autor da famosa "Lista de Furnas" – por falta de provas, o PT sugeriu, no relatório paralelo, que o Ministério Público abra inquérito contra o banqueiro Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity.
Além de Dantas, os petistas querem o indiciamento também de Humberto José Braz, Carla Cico (ex-presidente da Brasil Telecom), Carlos Bernardo Torres Rodemburg e Antônio José dos Santos (ex-presidente da Telemig Celular e da Tele Norte Celular). O texto enquadra os ex-dirigentes do Opportuniy por tráfico de influência, corrupção ativa, supressão de documento, crime contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro.
Silvio Pereira
O texto petista isenta os contratos da empresa GDK com a Petrobras de qualquer suspeita de favorecimento. Na contramão, o relatório paralelo sugere o indiciamento, por tráfico de influência, do ex-dirigente do PT Silvio Pereira, responsável por indicar vários diretores da estatal petrolífera. Silvinho admitiu ter recebido de presente um jipe da marca Land Rover, avaliado em R$ 75 mil, do presidente da GDK, o empresário César Roberto Santos Oliveira.
Na época da denúncia, o empresário disse ter doado o carro "de livre e espontânea vontade". O ex-secretário do PT, por sua vez, afirmou que "a GDK não pediu nada em troca" do presente.
Lista de Furnas
Em relação à chamada "lista de dimas", o PT sustenta que a investigação feita pela CPI e pela Polícia Federal não conseguiu atestar que o documento, que acusa 156 parlamentares de receber dinheiro de um suposto caixa dois de R$ 40 milhões montado em Furnas, é realmente falso. A lista foi entregue pelo lobista Nilton Monteiro. Ele afirmou que o ex-dirigente da estatal Dimas Toledo foi o responsável pelo caixa dois.
O texto do PT não pede o indiciamento de nenhum dos dois envolvidos no caso, sob a alegação de não haver provas, e sugere que o Ministério Público dê continuidade às investigações.
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