No auge da ditadura militar, as redações foram avisadas pela censura que havia no país um surto de meningite. Era um comunicado, alertando que todos os jornais, rádios e televisões estavam proibidos de registrar que havia no ar o grave risco de contaminação da doença. Mais de 20 anos depois do final da ditadura, uma coisa parecida chegou às principais redações do país na semana passada.
No caso, uma intimação do juiz Roberval Casemiro Belinati, proibindo os principais veículos de comunicação do país de veicular o teor da gravação que o advogado e candidato a deputado federal Eri Varela fez de uma conversa sua com o ex-governador e candidato a senador no DF Joaquim Roriz.
O que é mais curioso na ação é que os veículos intimados tomam por ela total conhecimento do teor da gravação. O diálogo está inteiramente reproduzido ali. É como na história da menigite: a informação completa se faz acompanhar da sua proibição na mesma peça. Seria cômico se não fosse trágico.
Os órgãos de imprensa ali listados, caso publiquem alguma coisa, estarão imediatamente cometendo uma desobediência. Outros, como este site, não foram notificados. Se publicassem algo, não estariam desobedecendo nada. Mas algum juiz poderia entender que cometeram difamação. Ficamos, então, aqui num meio-termo. Não transcreveremos os diálogos, mas vamos dizer que se trata de um diálogo entre Roriz e Eri Varela no qual os dois falam mal, muito mal de José Roberto Arruda. Xingam ele de uma série de nomes e dizem que ele não é alguém digno de confiança.
Já e-mails particulares, espaços de bate-papo na rede de computadores, não têm qualquer reserva para, se quiserem, reproduzir ponto por ponto a tal conversa. E é assim que ela vai se espalhando. Apesar da decisão judicial, apesar da proibição, não é pequeno o número de pessoas hoje que sabem exatamente o que Joaquim Roriz e Eri Varela conversaram sobre José Roberto Arruda.
A velocidade como reputações podem ser erigidas ou destruídas na nova era da informática é o tema do novo livro do consultor de imagem Mário Rosa. Chama-se Reputação na Velocidade do Pensamento, da editora Geração Editorial. O caso do diálogo sobre Arruda serve como pérola para explicar o que Mário Rosa tenta dizer em seu livro. Varela gravou a conversa. Exibiu-a na inauguração de seu comitê de campanha no último dia 27 de agosto. Para evitar o estrago eleitoral da conversa, Roriz entrou com a representação evitando a divulgação do diálogo nos principais órgãos de imprensa e nos programas eleitorais. Mas o fato é que, depois da primeira publicação, o estrago já estava feito. A internet permite que as notícias se repliquem com imensa velocidade e de forma descontrolada.
PublicidadeÉ um mundo inteiramente novo o que surge da revolução tecnológica. Ao mesmo tempo, as pessoas estão sujeitas a toda uma nova parafernália. Foi graças a ela que Eri Varela, por exemplo, pôde gravar a conversa com Roriz sem que ele tivesse percebido. Como lembra Mário Rosa, o escândalo do mensalão se inicia com o flagrante do ex-diretor dos Correios Maurício Marinho recebendo uma propina.
O araponga, fazendo-se passar por empresário, entrou na sala de Marinho com uma mala que continha uma microcâmera escondida. Onde ele comprou tão sofisticado equipamento? Na Feira do Paraguai. Ou seja: a maquininha está ao alcance de todos. E nem precisa pagar muito caro por ela. Antes do mensalão, o primeiro grande escândalo do atual governo – o caso Waldomiro Diniz – também foi produto de uma gravação feita às escondidas.
E há ainda o monitoramento público, que não tem a intenção inicial de prejudicar ninguém, mas que pode acabar servindo também para isso. Imagens do mesmo Waldomiro Diniz no aeroporto de Brasília foram captadas pelas câmeras de segurança do prédio. Os mensaleiros que iam ao Banco Rural deixaram seus nomes no sistema de computador do prédio do Brasília Shopping.
Para nós, público, esse novo mundo tem vários aspectos positivos. Tem ficado cada dia mais difícil para a autoridade pública fazer coisas escondidas, perpetrar malfeitos na certeza de que não será apanhado.
O que Mário Rosa propõe em seu livro é uma ação preventiva. Os homens públicos terão de passar a agir de outra forma, prevenindo-se desses flagrantes que se tornaram muito mais fáceis com as novas tecnologias. "Não adianta nada reconhecermos que o mundo mudou com a revolução tecnológica se continuarmos agindo como no passado", diz Mário Rosa. "Nunca estivermos tão vulneráveis ao olhar dos outros e nunca também todos os nossos passos puderam ser seguidos e transmitidos literalmente para o mundo todo, ao som de um simples clique", continua. "O ambiente é de muito maior transparência e quem não perceber e se adaptar rapidamente pode se arrepender depois".
No fundo, o que Mário Rosa propõe é uma exacerbação diária da história da mulher de César. Ela não precisava apenas ser honesta. Tinha de parecer honesta também. No novo mundo, aparência conta. Monitorados o tempo todo, mesmo quando não sabem disso, os homens públicos vão precisar tomar mais cuidado. Com o que fazem. Com o que dizem. Para quem dizem. Com quem se aliam. O que prometem. Ou terão que depois sair correndo alucinados atrás do prejuízo. Quem não conseguir um juiz para conceder liminar, vai entrar pelo cano mais cedo. Mas mesmo o juiz amigo pode não conseguir resolver mais todos os problemas.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.
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