Mel Miura*
Primeiro, ela conseguiu, junto à Mesa Diretora do Senado, a prorrogação dos trabalhos até abril. Nas últimas semanas, a CPI dos Bingos ficou toda alvoroçada para convocar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Anteontem, os senadores decidiram trocar a convocação por um convite para o ministro depor. Mas, espera aí, na CPI dos Bingos? Convocar Palocci? Seria a Fazenda alguma espécie de agenciadora de casas de jogos para justificar a presença do ministro nessa comissão de inquérito?
Creio que não. Devo concordar com um dos poucos momentos em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi feliz ao refletir a respeito da crise: esta é, de fato, a “CPI do Fim do Mundo”.
O instrumento da comissão parlamentar de inquérito pode ser extremamente útil para desvendar certos mistérios do poder republicano. Elas podem quebrar sigilos, fazer convocações ou dar voz de prisão.
Porém, como esta é a primeira crise transmitida ao vivo, via satélite ou em tempo real pelas agências de notícia da internet, as reuniões dessas comissões tornaram-se um palanque infinitamente melhor do que qualquer comício de candidato ou propaganda eleitoral. Cá pra nós, quem tem saco para assistir ao horário eleitoral gratuito sem pensar que aquilo não passa de mera bravata? Ou qual eleitor consegue ouvir um político ao palanque sem desconfiar de todas as palavras bradadas por ele naquele microfone (principalmente agora em tempos de crise)?
As CPIs se tornaram o melhor horário eleitoral gratuito que existe. Ganham de lavada da audiência das novelas. E, lá, tem-se a impressão de que o parlamentar está, realmente, trabalhando. Mas a CPI do Fim do Mundo está passando dos limites. Não pode um assunto virar capa de jornal – seja nas entranhas do parlamento, seja nas quatro linhas do campeonato brasileiro de futebol – que tudo é pano para manga. Tudo é justificativa para aqueles senadores convocarem alguém para depor.
Cheguei a pensar que os parlamentares privilegiariam quaisquer assuntos que pudessem prejudicar o governo – pelo fato de a comissão ser dominada por atores da oposição. Mas, ao ver no banco da CPI o empresário Najib Fayad, aquele sujeito que comandou a “máfia do apito” e tentou interferir nos resultados de jogos de futebol (tentou, porque, do jeito como andam os times do Brasil, nem juiz consegue dar jeito no placar), percebi que eles queriam mesmo era pirotecnia, atenção, holofotes.
PublicidadeMas, como todos que vão com muita sede ao pote, acabaram por cair do cavalo. Pelo que me lembre, nenhum jornal deu lá grandes atenções para o depoimento do empresário. Então, eles passaram a cutucar enxames com mais abelhas. Grudaram no espírito do Celso Daniel, aquele pobre prefeito de Santo André que, assassinado em 2002, ainda não conseguiu descansar em paz.
Ressuscitaram o caso de tal forma que, na CPI dos Bingos, ninguém mais ouve falar de bingo. Só de Celso Daniel e de Sombra (Sérgio Gomes da Silva, suspeito de participar de um esquema de corrupção e da morte do prefeito), de senador que vai lá para o interior de São Paulo procurar um pastor misterioso que disse ter filmado o assassinato, mas nunca mostra a fita para ninguém. A comissão fez de tudo para se manter na mídia até que os jornais enjoassem do caso.
Quando Santo André começou a perder espaço nas manchetes, foi preciso cavucar um assunto mais bombástico. E existe algo com mais nitroglicerina do que tentar implodir o ministro Palocci? Claro que não. Então, agora a bola da vez é o superministro de Lula. Convoca ou não convoca? A oposição diz: “Vamos convocar, vamos convocar”. O governo pede: “Não convoca. Ou melhor, convoca mesmo”. Resultado: ele vai depor, mas como convidado. E como isso rende espaço para o senador Efraim Morais, que é o presidente da CPI, nos jornais! Mas, vem cá, alguém se lembra de quem é Carlinhos Cachoeira?
Nesta semana o relator da comissão, senador Garibaldi Alves Filho, disse que ia pedir o indiciamento de Cachoeira e de Waldomiro Diniz, que é o pivô do primeiro escândalo do governo Lula e que motivou a abertura da CPI do Fim do Mundo, ainda sob o vulgo CPI dos Bingos. Mas, baseado em que, vai pedir indiciamento se a CPI nem investigou os dois? O Ministério Público vai cair na gargalhada quando o pedido de indiciamento chegar. Vai perguntar: “Senhor Garibaldi, o senhor se lembra de quem é Waldomiro Diniz? Achei que sua praia agora fosse cutucar o Palocci”.
Conclusão disso tudo: o relatório da CPI do Fim do Mundo vai ser um verdadeiro Frankenstein. Até agora eles não apresentaram nada. E sabe por quê? Para juntar aquele monte de provas e colocar tudo de uma vez, num único documento. Vai ser mais ou menos assim:
“Eu, o relator, concluo que o prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi morto ao tentar desmantelar um esquema de arrecadação ilegal junto a empresas de coleta de lixo em Ribeirão Preto, município comandado por Antonio Palocci. Esse, por sua vez, ajudou a transportar garrafas de uísque cheias de dinheiro que serviram para pagar propina ao árbitro Edílson Pereira Júnior, para que ele metesse o bedelho no resultado dos jogos do Brasileirão. Para quê? Para que o empresário de jogos Nagib Fayad não deixasse a casa de bingo de Carlinhos Cachoeira falir, porque era de lá que o Waldomiro Diniz tirava o dinheiro para financiar o mensalão. Tenho dito.”
Recentemente, o senador Ney Suassuna foi alvo de investigações do Ministério Público, acusado de receber dinheiro para garantir vantagens a uma empresa privada. E não tem ninguém investigando isso? Vou cantar uma pedra: acho que ele será o próximo convocado da “CPI do Fim do Mundo”.
E o que fica de lição para a história do Brasil? Para mim, que a prioridade da política brasileira sempre será o interesse particular. Tentar punir corruptos, isso pode ficar para outra CPI. Ou após o fim do mundo.
*Mel Miúra é estudante do 7º período de História da Universidade de Brasília (UnB).
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