Paulo Castelo Branco*
O presidente Lula é condutor da grande locomotiva que está atropelando e mudando muitos conceitos da sociedade brasileira. No alto do trem, de mãos dadas com o senador José Sarney, Lula promete entregar, até o final do ano, o trecho entre Belém e Anápolis da Ferrovia Norte-Sul.
No discurso proferido na ocasião (na última terça, 23, quando Lula e Sarney visitaram as obras da ferrovia), o presidente não disfarçou e dirigiu os maiores elogios ao seu aliado Sarney. O senador, sorridente, ficou emocionado com as palavras de Lula, que reconheceu ter criticado duramente o empreendimento que dizia ligar o nada a nada.
A Ferrovia Norte-Sul é um dos sonhos que Sarney vê ser concretizado pelas mãos do operário que o combateu e que, agora, vive na dependência da força política e da sabedoria do ex-presidente. Sarney está gozando de mais poder do que quando era o titular da presidência. Naquela época, o deputado Ulysses Guimarães controlava as ações de governo e não deixava Sarney dar um passo sem que sofresse a interferência do então presidente da Câmara dos Deputados. Sarney não se intimidou e foi tocando a vida como o momento lhe permitia. Com calma, superou as dificuldades e consolidou a democracia.
Na transmissão do cargo a Fernando Collor, Sarney, mais uma vez, suportou as interferências para permitir que o país seguisse nos trilhos. Collor, por não ter um Sarney para abrir caminhos da sua locomotiva na escuridão, caiu e foi atropelado pelo "cavalo de ferro", que nele montou, mas não conseguiu dominá-lo.
Lula, ao dizer que somente depois de conhecer a profundidade das diferenças e desigualdades regionais do país é que se deu conta de quantas vezes cometemos injustiças. Na sua origem humilde e, também, pela viagem da sua caravana política, já havia conhecido as misérias que assolam os pobres. Só que agora o presidente tem um olhar mais sofisticado dos problemas nacionais e pode usufruir as benesses que o poder lhe concede. Não é difícil sair por aí, em condições materiais favoráveis, para constatar que as diferenças são, realmente, brutais.
Mas o povo não repara a transformação e gosta muito de ver um igual na condução das suas vidas. Por essa razão é que as pesquisas seguem favoráveis à Lula e o colocam como o salvador da pátria. Não interessam as denúncias contra seus companheiros de partido e de governo. Não interessa se a corrupção explodiu na vida pública nacional, e nem ter que afirmar: "Uma coisa eu tenho tranqüilidade, Sarney. Nunca o ofendi, nunca lhe fiz uma provocação com uma palavra que não pudesse dizer publicamente. E eu sei o quanto este homem foi ofendido, eu sei como ele foi atacado".
PublicidadeO que interessa é a reeleição, e o candidato-presidente não se cansará de viajar e inaugurar obras, enquanto a legislação eleitoral permitir. Nessas ocasiões, Lula proferirá palavras de agradecimento a todos que possam ajudá-lo na jornada. Palavras que Sarney sabe tão bem utilizar em seus reconhecidos romances e que oferecem ao ex-presidente a alegria de viver para ver e ouvir. São em frases como a de Lula que o imortal e senador renova suas esperanças e sonha os melhores sonhos da juventude. Sarney se renova a cada momento que convive com Lula e anota suas declarações para, quem sabe, um dia, escrever o livro "Cem anos de poder".
Lula, na cabine de comando da locomotiva que está superando obstáculos até pouco tempo atrás considerado intransponível, segue em frente como se estivesse construindo a ferrovia Madeira-Mamoré e confia em Sarney, que abastece a máquina de combustível e faz o papel de limpa-trilhos, garantindo tranqüilidade e segurança até a estação de chegada nas eleições presidenciais. Se Lula continuar na marcha adequada, é possível que o trem não tombe no caminho.
* Paulo Castelo Branco, pós-graduado em Processo Legislativo, foi conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, presidente do Tribunal de Ética da OAB-DF e secretário de Segurança do Distrito Federal.
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