Osvaldo Martins Rizzo *
Incomodada com o estoque da dívida externa brasileira, e tentando viabilizar o seu novo plano de expansão mundial chamado de “globalização”, a comunidade financeira internacional e o grande empresariado nacional articularam o fim do regime militar, pois desconfiavam que os patrióticos generais não imporiam ao país os ônus das políticas econômicas neoliberais necessárias à geração de superávits primários para honrar o pagamento dos juros da dívida contraída.
Repetindo a secular prática de manipular o cidadão, a bem engendrada ação da propaganda de massa recebeu na mídia o nome de “Diretas Já”, e os comícios, televisionados para todo o Brasil, contaram com a presença de artistas famosos (regiamente pagos pelas grandes redes de TV) para atrair o alienado público, inaugurando o que ficou conhecido como “showmício”. A pseudo-democratização anistiou assassinos sanguinários de forma ampla, geral e irrestrita, além de promover coloridas celebrações onde o tapeado povo sambou outra vez.
Hoje se constata que a permissão capitalista limitou-se apenas à instauração de uma semi-democracia. Em outras palavras, permitiu-se a democracia eleitoral, mas continuou impedida a econômica e social. O capitalista apenas deixou de negociar com austeros generais, trocando-os pelos dóceis “representantes do povo legitimamente eleitos”. As origens políticas destes são irrelevantes desde que defendam os interesses do grande capital patrocinador das suas vitórias eleitorais.
Neste contexto, muitos legisladores passaram a ser meras ferramentas descartáveis usadas pelos lobistas a serviço de fortes grupos de interesse para legalizar práticas reconhecidas em todo o mundo como desonestas.
O mais recente exemplo da produção de leis para beneficiar uma minoria em detrimento da grande maioria ocorreu no último dia 31 de maio com a publicação da Lei nº 11.482, que permite a celebração de acordos para suspender o curso da investigação da prática de cartel. Ou seja, o empresário investigado escapa da condenação apenas prometendo que, dali em diante, se tornará um cidadão honesto, deixando de aumentar os preços combinados com seus comparsas para surrupiar o consumidor desprotegido como vinha fazendo até ser pego em flagrante delito.
Bastou ocorrer o recente desmonte do cartel paulista da pedra britada para que os capitalistas recorressem aos préstimos de seus legisladores de plantão. Este foi o primeiro caso de cartel condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em que a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e o Ministério Público usaram instrumentos de produção de provas como as escutas telefônicas e a busca e apreensão. O cartel paulista da pedra britada, que violou a lei da livre concorrência, detém a maioria do mercado inflando enormemente o preço das construções, e é formado por empresas ligadas a grandes grupos econômicos nacionais e companhias estrangeiras líderes mundiais do setor de fabricação de materiais de construção.
PublicidadeMesmo os mais devotados defensores da economia neoliberal, em suas inconclusas discussões macroeconômicas sobre juros e câmbio, adotam o padrão da livre concorrência em seus modelos. O argumento usado pelos mercenários do capital explorador do brasileiro – encastelados em seus “escritórios de negócios” que lembram os salões da Chicago de Al Capone – de que as multas impostas às empresas do cartel acabam sendo pagas pelo consumidor é, no mínimo, uma ofensa ao cidadão de bem. Essas multas devem ser confiscadas dos lucros dos empresários e, se forem insuficientes, dos seus patrimônios pessoais.
A Lei nº 11.482, pérola dos legisladores comprometidos com os interesses minoritários, institucionaliza a prática do cartel. Como muitos setores importantes da economia brasileira estão oligopolizados, a pressão inflacionária tornou-se permanente. Em um regime de metas de inflação como o em vigência no país, o combate à inflação se dá exclusivamente pelo aumento dos juros que acaba por gerar estagnação e desemprego, além de enormes ganhos à comunidade financeira.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro civil e ex-conselheiro do BNDES.
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